11 dezembro 2007

Que língua eu devo aprender?




O povo caminhava em silêncio pelas ruas calçadas de pedras desniveladas da pequena Araguari, no interior de Minas Gerais. Chefiando a procissão, o padre da cidade proferia incompreensíveis palavras em latim. Um senhor bem vestido, forasteiro na cidade, aproximou-se e começou a caminhar logo após o padre, entre esse e a multidão. Para cada frase pronunciada, o estranho anunciava sua tradução em português, para espanto e deleite dos moradores da pequena cidade outrora chamada Brejo Alegre.

Ao fim da cerimônia, cada um foi tomando seu rumo de volta às suas casas. Um casal se deteve. Buscaram então aquela misteriosa e culta figura. Encontraram-no e após uma rápida conversa decidiram estudar juntos a Bíblia.

Assim a religiosidade exterior e superficial se transformou em uma fé compreensível, através da Palavra lida e estudada em sua própria língua. Eram os primeiros anos do século XX quando se deu a descoberta da Bíblia pelo jovem casal. Eram os avós de um amigo pessoal que hoje, na terceira geração de evangélicos de sua família, exerce o ministério pastoral.

Aquele viajante hábil nas línguas era Salomão Ginsburg, um judeu nascido onde hoje é a Polônia, convertido à fé cristã ainda moço, e que decidiu vir ao Brasil através do convite da pioneira da evangelização no Brasil, Sarah Poulton Kalley, viúva do médico missionário Dr. Robert Kalley.

Salomão despertou algumas polêmicas em sua época, por sua insistência com os cultos ao ar livre e em seu incentivo para que as mulheres assumissem integralmente seus dons no ministério da igreja e na obra da evangelização. Olhe que essa “briga” foi comprada aí por volta de 1890!

Interessante ou triste perceber que foi seu impulso às mulheres crentes que lhe rendeu, ao menos oficialmente, o rompimento com a Igreja Evangélica Fluminense, pioneira da evangelização em português no Brasil, que o havia acolhido e depois o enviado em missão ao Recife.

Mais tarde esse colportor e evangelista apaixonado se uniu ao ministério dos batistas, e foi assim que exerceu seus dons lingüísticos e de evangelista pouco convencional em terras mineiras e em outros grotões desse Brasil.

Ginsburg trabalhou tanto em grandes centros urbanos como em pequenos povoados. Parece que em países como Brasil ou Uruguai (de onde esse vosso servidor lhes escreve) os problemas sociais pungentes e desagregadores da vida social da metrópole se mesclam com a realidade de pequenas cidades interioranas onde os efeitos da modernização teimam em chegar e a afetar significativamente a vida das pessoas.

Nesse cenário, o povo chamado cristão tem buscado novos métodos em sua arte evangelizadora. Há o crescente uso de mídia, quer seja através das "velhas" TV e rádio, como também na "nova" Internet. "Criativos" novos materiais são impressos. Quem sabe faz, e mostra seu talento em apresentações artísticas, na música, dança ou teatro.

Mas eu me pergunto se muitas vezes uma aparente variedade não oculta uma linguagem hermética, voltada para dentro, em que apenas aqueles que são do “gueto evangélico”, familiarizados com essa sub-cultura, entendem e apreciam. Parece que não se consegue romper muitas barreiras nessa “comunicação”.

Fica pendente o desafio de redescobrir nessa tarefa a prática dos relacionamentos pessoais, da amizade, do ouvido atento, do se dispor a caminhar junto com as pessoas, mesmo ou principalmente as mais improváveis de se converterem ao evangelho de Jesus. Talvez seja essencialmente para essas pessoas à margem e além, fora dos padrões evangélicos, amarradas em vícios, solidão, idolatrias, estilos de vida auto-destrutivos, aprisionadas ao dinheiro ou esmagadas pela falta dele, fechadas em diversas tribos urbanas ou em suas mentalidades provincianas, a quem o evangelho deva ser compartilhado uma vez mais, mas agora de uma maneira que ao menos o entendam…

Que língua eu preciso aprender, como Ginsburg fez com o latim, para ser apaixonado, eficiente, sensível e integral em comunicar e viver essas verdades?

(essa é uma versão revisada de um artigo que escrevi, publicado na Revista Evangelizar, edição 9, novembro de 2006, da AMME)


Foto:
AtribuiçãoNão-comercialCompartilhamento pela mesma licença
Alguns direitos reservados.
Upload feito originalmente por drcursor

Nenhum comentário: