25 outubro 2009

O tempo, o sonho e a conexão



Falar de suas próprias experiências, do que lhe é mais íntimo e pessoal, implica em óbvias limitações. Por sua natureza, elas não são normativas, somente podendo aspirar a ser humilde ilustração, exemplo, talvez uma motivação para o outro. Com a confiança de que o pedido implícito de perdão dessa introdução seja considerado, conto-lhes o encontro e o sonho que tive.

Recebemos a visita de um casal de amigos. Não tão jovens e já maduros na vida, darão em breve o passo de unir-se em casamento. Depois que se foram, fui dormir comovido pelo convite que fizeram para que eu lhes dirigisse a palavra em sua cerimônia.

Dormi e sonhei. Aclaro em uns parênteses. De maneira alguma esse seria um “método” que utilize para preparar alguma mensagem. Raras vezes me lembro de sonhos, ainda que já tenha refletido
aqui sobre a relação entre sonho e chamado, e também já tenha compartilhado uma disciplina espiritual que aprendi relacionada ao tempo em que dormimos.

Resumindo, sonhei que Ruth, minha esposa, e eu saíamos de uma visita. Essa havia sido inundada por um peso emocional negativo. Saíamos cabisbaixos. Então recordo que comecei a falar com Ruth sobre
“Culpa e Graça”, de Paul Tournier.

O colóquio girou em torno ao conceito de culpa falsa e culpa verdadeira. Em um mover crescente de intimidade, cumplicidade, entendimento e aceitação mútuos, em que Ruth com seu olhar já entendia o que eu queria dizer, e inclusive completava as frases que minha emoção bloqueavam ainda na garganta, choramos juntos.

Foi, se me permitem prosseguir em minha confissão e exposição íntima, um êxtase de profunda conexão. Quando despertei, o primeiro que quis fazer foi lhe contar em detalhes tudo o que havia sonhado. Aquilo que por anos eu reclamei de Ruth (o completar minhas frases ou pensamentos antes que fossem concluídos) foi no sonho o mais puro sinal de uma especial conexão de vida a dois. Daquelas que levam toda uma vida para cultivar, em abertura, confiança e entrega mútuas.

Uma vez li em um artigo que defendia o “amor livre dos fardos do compromisso eterno” (perdão que não encontrei esse texto agora) que seria impossível, por exemplo, ter sonhos eróticos com o cônjuge de muitos anos. Obviamente que discordo, em todos os sentidos. O tempo é exatamente a oportunidade que se é dada para a aventura do enlace mútuo, de descobrir-se nos olhos do outro e entregar-se em verdadeira intimidade, e não em uma caricatura fugaz da mesma.

Ainda não sei bem como abordar o tema no sermão do casamento. Mas já tenho um ponto por compartilhar. Conhecer o outro leva tempo. Por isso se requer toda uma vida. Mas a conexão verdadeira a que chegamos vale todo o esforço e perseverança. Sim, vale.

Foto: © Ciruelito
Upload feito originalmente por
Milagros Sierra