24 março 2010

Nem Marte nem Vênus



"Como vocês conciliam suas percepções diferentes do chamado de Deus?" Foi assim que uma boa amiga me confrontou outro dia, depois que relatei o caminho que havíamos tomado, minha esposa Ruth e eu, até decidirmos mudar-nos ao Uruguai.

É que eu havia comentado sobre como a visão de minha esposa, desde criança, acerca do chamado missionário, sempre havia sido algo mais romantizada. A minha, ao contrário, com frequência se havia mostrado mais prática, até mesmo pragmática. Uma equação do tipo "necessidade + dons + oportunidade" para mim já seria suficiente.

Daí veio a interessante pergunta de nossa amiga sobre como conseguimos ajustar essas visões romântica e prática. Será que as havíamos conciliado? Esbocei algumas ideias na resposta, essas que com liberdade compartilho aqui.

Creio que as visões ou chamados de Deus para cada pessoa normalmente se dão de distintas maneiras. A umas percepções podemos chamar mais "românticas", a outras mais "práticas", mas inclusive esses rótulos ou conceitos podem variar dependendo de quem fala, ou mesmo do momento de vida que está passando.

Por exemplo, eu identifico algo em meu chamado que é, digamos, mais prático. Mas essa não é a toda a história. Em meu chamado, e na contínua percepção desse, houve momentos cruciais que eu identificaria como "carismáticos" ou "pentecostais". Foram sonhos, intuições, "coincidências", que me ajudaram no processo de discernir o que Deus me chamava para fazer. Ou que me animaram a perseverar em meio a crises.

Talvez o fato que eu não fale muito sobre isso revele meu lado mais "racional", desvende a minha desejada intelectualidade ou a ambição orgulhosa por alcançá-la. Mas não posso ocultar que essas percepções mais intuitivas estiveram e prosseguem como parte da história de meu chamado.

Ruth também não é puro romantismo. Muitas vezes aquela jovem idealista por quem me enamorei se mostrou bem mais pragmática do que eu. Por vezes, demasiado! Inclusive nas questões de chamado e ministério. Então a coisa não é tanto preto no branco. Há nuances e complementaridades.

Além disso, claro, em nossa trajetória como namorados, noivos e depois casados (já são quase 15 anos de casados) fomos influenciando um ao outro, "positivamente" e "negativamente". Contagiando o outro com nossas manias, exportando defeitos, mas também aprendendo e sendo desafiado pelo outro de uma maneira que sempre nos leva a amadurecer.

Hoje, a percepção que temos de nosso chamado ou de para onde devemos ir no futuro é algo que sempre buscamos discernir juntos. Obviamente, nem sempre estamos de acordo. Mas creio que agora aprendemos a respeitar mais o jeito um do outro, os tempos, os caminhos, e os processos para se tomar uma decisão.

Não que agora seja necessariamente mais fácil conciliar visões e chamados, mas creio que hoje sabemos e conhecemos melhor um ao outro, e isso de alguma maneira facilita a percepção e a construção de um chamado em conjunto. Não só para um, nem só para o outro, mas para a família.

Falando da família, e com duas meninas que vão crescendo e afirmando sua própria opinião e personalidade, entra um novo fator que enriquece (ou dificulta...) o discernimento do chamado e as decisões que tomamos. Mas também creio que crescem exponencialmente as possibilidades de ser abençoados nesse processo familiar de discernir rumos na vida.

Com respeito, conversa, disciplina espiritual, oração, conversa, apoio mútuo, amor, e muita conversa de novo, creio que o processo tende a ser abençoador para todos.

Nem tão Marte, nem tão Vênus. Buscarei fugir desses estereótipos auto-infligidos e impostos aos outros. Somos terráqueos, bem humanos, e é na Terra, na realidade da vida, que devemos discernir juntos o que Deus quer de nós.

Foto: ©
the ART of Holding Hands
Upload feito originalmente por
ajpscs