06 junho 2010

Phineas, os problemas do mundo e Powerpoints

"O que faremos hoje, Ferb?" Os iniciados nesse divertido desenho animado saberão que essa frase costuma abrir muitos dos episódios de "Phineas e Ferb". Dois irmãos desenham engenhocas criativas, com a ignorância de seus pais e para o desespero de sua irmã, que sempre tenta, em vão, revelar suas façanhas. Claro, há o vilão de nome impronunciável e motivações obscuras, além do delicioso agente Perry, o ornitorrinco, que sempre salva o dia.

Mas como não estamos aqui para falar de mamíferos ovíparos, passemos a outro Phineas, dessa vez um personagem das Escrituras. Phineas e seu imão (que não se chamava Ferb...) eram os filhos do sacerdote Eli, aquele que se desempenhou como tutor do profeta Samuel. Não foram exatamente conhecidos por sua, digamos, retidão em sua função.

Phineas e Hofni eram os guardadores da Arca da aliança quando ocorreu o episódio(1) em que buscaram levar a Arca para o campo de batalha contra os filisteus. Como a Arca simbolizava a presença de Deus no meio do povo, interpretaram que essa seria um poderoso amuleto em sua agenda guerreira.

Não houve esforço para discernimento ou consulta a Deus sobre o tema, em uma demonstração mais de que imaginavam poder manipular a Deus para seus próprios fins. O resultado se mostrou dramático. A Arca foi sequestrada, Phineas e Hofni morreram e até mesmo a notícia de que a Arca havia sido tomada levou também à morte de seu velho pai Eli.

Outro dia saiu uma reportagem interessante no "The New York Times", sobre generais norte-americanos saturados do uso de apresentações de PowerPoint para tentar descifrar os caminhos para a guerra no Afeganistão.

Os slides eram tão complexos que um dos generais chegou a brincar dizendo que "o dia em que entendermos esse slide ganhamos a guerra". McMaster, outro general, disse que "alguns problemas do mundo não são bullet-izable". Essa última expressão, difícil de traduzir, traz um trocadilho interessante (seria consciente?) sobre a dificuldade em classificar simplisticamente uma situação através de pontos e gráficos em um PowerPoint, mas também revelando algo sobre a limitação de querer resolver algo através das "bullets" (balas), como se um poderio militar avassalador fosse a panacéia dos problemas do mundo.

McMaster também revela uma lucidez importante ao comentar porque PowerPoints tendem a tornar-nos estúpidos. "São perigosos porque criam a ilusão de entendimento e de controle". O ponto é que o mundo tem desafios mais complexos do que enfrentar um ou outro vilão como o Dr. Doonfenshmirtz (sim, o vilão de Phineas e Ferb).

A ilusão de controle foi a que também se apoderou de Phineas (o homônimo bíblico) e seu irmão Hofni. Pena que não dá nem para criticar tanto os dois irmãos, uma vez que nossa própria relação com Deus muitas vezes se dá no marco de querer controlar o que Deus fará na história. Ou de imaginar que podemos manipular esse poder e presença para nossos próprios interesses.

Recentemente eu fui provocado pelo capítulo sobre Submissão do excelente livro de Chris Heuertz, "Simple Spirituality". Discorrendo sobre transparência, vulnerabilidade e submissão, ele afirma:

"Submissão é uma oportunidade de afirmar nossa profunda confiança em Deus, permitindo que Deus esteja no controle enquanto resistimos à compulsão de querer colocar-nos no lugar de Deus."

Sejamos criativos ao buscar soluções. A engenhosidade dos meus personagens favoritos de desenhos animados é um estimulante. Mas não sejamos ingênuos para imaginar que encontraremos caminhos fáceis, e nem tenhamos a desfaçatez de querer empurrar a Deus dentro de nossos próprios projetos. Ah, e da próxima vez pensarei duas vezes antes de colocar um sermão no PowerPoint.

(1) 1 Samuel 4

03 maio 2010

A conversão de um asiático nos banheiros de Lausanne.



"Eu me converti em um banheiro de Lausanne". O brilho de seus olhos miúdos se estendia por sua frente larga e se esparramava por suas finas cãs, as mesmas que me confidenciavam sua idade. Demorei um pouco para entender a que ele se referia quando falava de sua "conversão".

Esse simpático senhor do sudeste asiático, a quem tive o privilégio de conhecer em uma recente viagem recente, contou que isso se deu em sua juventude, quando participou do Congresso Mundial de Evangelização, em Lausanne, em julho de 1974. Entre os quase quatro mil participantes (entre delegados e observadores), estava esse jovem líder cristão do oriente. Aí se deu uma inusitada experiência que marcou para sempre sua vida e ministério.

Ela não se deu nos confortáveis e frescos recintos das plenárias e dos diferentes seminários, mas naquele vulgar lugar a que seus participantes se destinavam para que suas básicas necessidades fisiológicas encontrassem um alívio almejado, o banheiro.

É que justamente ali sua alma e seus ouvidos não encontravam esse tal alívio, e sim incômodo e iminente decepção. Se dava que saía do auditório tão animado e desafiado pelo que havia escutado, em especial de seus irmãos latino-americanos, como René Padilla e Samuel Escobar, para em seguida cair no estupor ao ouvir comentários depreciativos e apreciações não muito positivas naquela quase intimidade dos WCs de Lausanne.

Haviam intrigas e articulações tramadas bem aí, tendo como testemunhas aquelas finas divisórias que revelavam ao nosso jovem irmão oriental que a singeleza de coração encontrava seus limites nos umbrais da discordância teológica. Nesse caso, o muro virtual eram aquelas portas onde um ambicioso "Gentlemen" se lia em sua entrada.

Esse saudoso senhor nos conta que algumas das vozes que lhe causaram frustração pertenciam aos que então eram considerados por ele os "grandes nomes". Os mesmos que estampavam as solenes capas dos livros que se disputavam nas mesas dos materiais de referência, avidamente buscados para a construção da sã doutrina.

O sorriso se abriu para revelar que, por estranho que pareça, o efeito disso em sua vida foi abençoador, e não algo que haja destruído sua fé. "Me converti da devoção aos heróis que cultivava para a única devoção que importava, a Cristo e a seu evangelho radical e genuíno".

Foi nesse evento que descobriu irmãos não famosos do outro lado do mundo que buscavam viver com a integridade total do evangelho sua vida e sua missão. Essa conversão o levou a uma trajetória impressionante de relevância no ministério estudantil em seu país, à fidelidade ao Senhor em posições de destaque mais tarde no governo de sua nação, e a influenciar positivamente toda uma geração de líderes naquela região do continente asiático.

Ele prefere que não o considerem um herói hoje. Seria algo incoerente com a mudança importante provocada em sua vida por acontecimentos distantes em toaletes suiços. Talvez por coerência com seu desejo e exemplo, mantenho anônina a identidade de nosso sábio irmão.

Não é interessante ver como necessitamos de heróis? Mas suspeito que pelo menos quanto aos "heróis da fé" essa demanda seja no geral mais negativa do que positiva. Isso porque cada um de nós pode querer ser um desses protagonistas heróicos, e reproduzir assim uma busca sem fim de modelos de dependência dos líderes fortes.

Se acho que não há qualquer problema nessa busca, talvez eu deva me lembrar da sábia lição de Richard Foster, no excelente "Dinheiro, Sexo e Poder", quando dizia que o perigo não são as críticas (abertas ou sussurradas às escondidas), mas sim os elogios que venhamos a receber. Por quê? É que a principal tentação quanto aos elogios ou bajulações que recebemos, dizia Foster, é que podemos acabar acreditando no que ouvimos acerca de nós mesmos.

Daí encontrar um WC onde pessoas falam mal de mim (ou de outros!), sem dó nem piedade, pode até ser uma bênção celestial que o Senhor me envia para minha salvação. Será a santa decepção que Bonhoeffer diz que devemos ter na comunidade, uns com os outros, essa que nos permitirá que recibamos melhor a graça de Deus em nossas vidas, e que fará com que sejamos melhores portadores dela a nossos companheiros de missão, quer concordemos muito ou pouco com eles.

Vejam a ironia, já vou citando meus próprios heróis. Também preciso de conversão! Buscarei o banheiro de um próximo congresso. Pensando bem, melhor não. Espero que em uma próxima conferência esse espaço também seja um lugar de paz. Afinal, quem não gosta de sossego numa hora dessas?

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WC
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09 abril 2010

Consertar eu acho que (não) sei...



"E se alguém fizer o que está mal?", a jovem estudante me fuzilou com sua pergunta. Tudo bem que havia sido uma maneira mais elegante do que me questionar "e se alguém meter o pé na jaca?...". Mas eu não podia evitar sentir-me acurralado por seu tom de voz ligeiramente alterado e seu intrigante olhar meio enviesado. "A pergunta era pra mim?" Olhei pro lado, um pouco pra trás. "Acho que foi pro Zé Mané aqui, não foi pra mim não...".

Sem escapatória, quando dedos traidores apontaram para mim, e depois de alguns intermináveis segundos de hesitação, recordo haver balbuciado algo assim, "bem, aí temos a graça de Deus para nos restaurar...". "Ah, não, daí é fácil demais!", ela sentenciou, sem piedade das gotinhas de suor que minavam de minha fria testa e escorregavam por um saliente nariz.

Eu estava nervoso, claro. Quem havia tido a ideia de me colocar naquele painel sobre sexualidade nesse encontro de formação de líderes
(1)?! Eu era demasiado jovem (digamos "mais jovem", para ser tecnicamente correto), recém-formado, solteiro e, creia-me, sabia muito pouco sobre sexo e afins.

Tinha algumas noções sobre a teoria e, mais do que qualquer outra coisa, eu confiava na graça do Senhor para me restaurar se algo "saísse mal". Mas parecia que aquela ideia de redenção incomodava profundamente minha colega. Aparentemente, ela acreditava que o medo ou as regras seriam melhores guardadores de minha sexualidade. Eu, por outro lado, cada vez que lia e meditava mais sobre o assunto, tendia a concordar com Paulo, para quem as leis ou as regras só servem para nos condenar, mas não para nos manter no bom caminho. Também me parecia cada vez mais sábio aquele tal discípulo amado, para quem o amor seria um poder muito mais forte do que o medo.

Me parece que um dos problemas é que achamos que somos bons em consertar, em julgar e em corrigir. Mas, pensando bem, creio que não o somos. Infelizmente já vi demasiados "exemplos" de "disciplina" em igrejas que mais se parecem a exercícios públicos de humilhação e de revanche. Poucas vezes entendemos que disciplina nas Escrituras rima mais com cuidado e sanidade do que com castigo e isolamento. (uma rápida observação: a Palavra nos diz que devemos cuidar para não nos relacionarmos com aqueles que são falsos mestres, que aparentam piedade mas que de fato desviam as pessoas do Caminho; porém esse é um problema distinto e teremos que deixar esse assunto para outra hora).

Se temos dificuldades para entender a graça da redenção talvez seja porque antes, muito antes, também encontramos dificuldades para agradecer a bondade e a beleza da criação. Foi John Stott quem já disse que somos muito melhores na doutrina da redenção do que na doutrina da criação. Sem querer discordar do tio Sott, possivelmente também sejamos ruinzinhos na doutrina da redenção. Achamos presunçosamente que nós somos aqueles que sabem consertar. Essa história da graça seria, nesse caso, uma conversa mais apropriada para o bom e ingênuo sono bovino.

Pensando nisso da criação é que me deparei outro dia desses com essa interessante citação de Chesterton, esse homenzarrão católico que influenciou toda uma geração do início do século XX, entre eles nosso admirado C. S. Lewis. Ele disse o seguinte:

"Você dá graças antes das refeições,
Muito bem.
Mas eu dou graças antes de uma peça teatral e de uma ópera,
E dou graças antes de um concerto e de uma pantomina,
E dou graças antes de abrir um livro,
E dou graças antes de atuar como ator, antes de pintar,
De nadar, de esgrimir, de lutar boxe, de andar, de brincar e de dançar;
E dou graças antes de começar a escrever".
(2)

Aproveito para voltar a pensar sobre a tal sexualidade do começo dessa reflexão. Se eu conseguir ser mais agradecido ao Criador por sua bondade no desenho da sexualidade, talvez eu venha a entender melhor, e a aceitar, sua generosa oferta de restauração, naqueles tristes casos em que eu quase venha a estropiar tudo de belo que Ele fez.

Ou seja, se recebo bem o presente de sua graça e bondade na criação, talvez eu receba melhor a oferta de sua graça e misericórdia na redenção.

Consertar eu acho que não sei. Sabes Tu, Aquele que me desenhou primeiro. Aceito que me tomes pelas mãos, essas que espalmadas querem aprender a agradecer a beleza de sua criação e a generosidade de sua redenção.

(1) Era um IPL, um Instituto de Preparação de Líderes, da ABU (Aliança Bíblica Universitária), se não me engano aí pelo ano de 1993.
(2) Citado por John Stott, em A Mensagem de 1 Timóteo e Tito, da ABU Editora, p. 115.

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C O L ! N E .

24 março 2010

Nem Marte nem Vênus



"Como vocês conciliam suas percepções diferentes do chamado de Deus?" Foi assim que uma boa amiga me confrontou outro dia, depois que relatei o caminho que havíamos tomado, minha esposa Ruth e eu, até decidirmos mudar-nos ao Uruguai.

É que eu havia comentado sobre como a visão de minha esposa, desde criança, acerca do chamado missionário, sempre havia sido algo mais romantizada. A minha, ao contrário, com frequência se havia mostrado mais prática, até mesmo pragmática. Uma equação do tipo "necessidade + dons + oportunidade" para mim já seria suficiente.

Daí veio a interessante pergunta de nossa amiga sobre como conseguimos ajustar essas visões romântica e prática. Será que as havíamos conciliado? Esbocei algumas ideias na resposta, essas que com liberdade compartilho aqui.

Creio que as visões ou chamados de Deus para cada pessoa normalmente se dão de distintas maneiras. A umas percepções podemos chamar mais "românticas", a outras mais "práticas", mas inclusive esses rótulos ou conceitos podem variar dependendo de quem fala, ou mesmo do momento de vida que está passando.

Por exemplo, eu identifico algo em meu chamado que é, digamos, mais prático. Mas essa não é a toda a história. Em meu chamado, e na contínua percepção desse, houve momentos cruciais que eu identificaria como "carismáticos" ou "pentecostais". Foram sonhos, intuições, "coincidências", que me ajudaram no processo de discernir o que Deus me chamava para fazer. Ou que me animaram a perseverar em meio a crises.

Talvez o fato que eu não fale muito sobre isso revele meu lado mais "racional", desvende a minha desejada intelectualidade ou a ambição orgulhosa por alcançá-la. Mas não posso ocultar que essas percepções mais intuitivas estiveram e prosseguem como parte da história de meu chamado.

Ruth também não é puro romantismo. Muitas vezes aquela jovem idealista por quem me enamorei se mostrou bem mais pragmática do que eu. Por vezes, demasiado! Inclusive nas questões de chamado e ministério. Então a coisa não é tanto preto no branco. Há nuances e complementaridades.

Além disso, claro, em nossa trajetória como namorados, noivos e depois casados (já são quase 15 anos de casados) fomos influenciando um ao outro, "positivamente" e "negativamente". Contagiando o outro com nossas manias, exportando defeitos, mas também aprendendo e sendo desafiado pelo outro de uma maneira que sempre nos leva a amadurecer.

Hoje, a percepção que temos de nosso chamado ou de para onde devemos ir no futuro é algo que sempre buscamos discernir juntos. Obviamente, nem sempre estamos de acordo. Mas creio que agora aprendemos a respeitar mais o jeito um do outro, os tempos, os caminhos, e os processos para se tomar uma decisão.

Não que agora seja necessariamente mais fácil conciliar visões e chamados, mas creio que hoje sabemos e conhecemos melhor um ao outro, e isso de alguma maneira facilita a percepção e a construção de um chamado em conjunto. Não só para um, nem só para o outro, mas para a família.

Falando da família, e com duas meninas que vão crescendo e afirmando sua própria opinião e personalidade, entra um novo fator que enriquece (ou dificulta...) o discernimento do chamado e as decisões que tomamos. Mas também creio que crescem exponencialmente as possibilidades de ser abençoados nesse processo familiar de discernir rumos na vida.

Com respeito, conversa, disciplina espiritual, oração, conversa, apoio mútuo, amor, e muita conversa de novo, creio que o processo tende a ser abençoador para todos.

Nem tão Marte, nem tão Vênus. Buscarei fugir desses estereótipos auto-infligidos e impostos aos outros. Somos terráqueos, bem humanos, e é na Terra, na realidade da vida, que devemos discernir juntos o que Deus quer de nós.

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the ART of Holding Hands
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11 fevereiro 2010

O chicote do Papa e o jejum do crente



Provocou polêmica o lançamento recente de um livro que revelou a auto-flagelação do falecido Papa João Paulo II com um cinto e as noites em que dormia prostrado no chão.

Da penitência, como evangélico e ao menos em teoria, tenho pouca familiaridade. Ainda que seja um fato embaraçosamente comum em comunidades evangélicas os nossos jogos de auto-engano e as nossas vãs tentativas ao buscar compensações com o Senhor.

Essas artimanhas e negócios costumam aparecer quando tentamos oferecer nossos singelos pagamentos pelos pecados ocultos de nossa alma. Ou quando buscamos algum favor especial dos céus. Um jogo sem fim, e normalmente sem ganhadores. A não ser quando a graça e a misericórdia de nosso Senhor, que são maiores do que a vida, assim mesmo se manifestam, sempre apesar de nós mesmos.

Ainda assim, há um mistério em torno do proveito que posso ter ao abster-me de algo. É inegável que a auto-negação e a renúncia aparecem nas Escrituras muitas vezes como virtudes positivas daquele que crê. Talvez porque, entre outras coisas, provoquem o início de uma fortaleza íntima, de um controle, ainda que débil, sobre tudo aquilo que possa nos escravizar.

A começar por nossa própria natureza. Vi nesses dias o ator Hugh Jackman afirmar, em um documentário sobre o personagem Wolverine, que “não há nada melhor do que poder fazer o que quiser, na hora em que quiser, sem quaisquer regras de conduta”. Não entrarei no mérito do que essa postura pode produzir na atribulada vida de um personagem de X-Men ou na de qualquer um de nós, ordinários e não mutantes pecadores.

Vale, então, literalmente, o sacrifício? O sofrimento produz perseverança, disse Paulo aos seus irmãos da capital do Império1. Ele também esmurrava o seu corpo2, numa alusão, literal ou não, a seu exercício de auto-domínio. Mas é possível que Paulo não buscasse o sofrimento (ele já vinha sem que fosse preciso buscá-lo, por sua fidelidade a Cristo3), sendo que até mesmo pedia alívio quando esse o sufocava4. Não sei, talvez a chave esteja em minha atitude íntima, e se devo ou não fazer publicidade da disciplina que cultive.

Voltando à revelação acerca dos hábitos secretos do Papa, o que sim me pareceu interessante é que aparentemente ele guardava esse segredo para si mesmo. Não o promovia e não se promovia com isso. Ele provavelmente sabia com que fantasmas internos lutava, ainda que outros pudessem questionar seus métodos ou motivações. Mas não impôs seu exemplo, nem mesmo o revelou.

Outro dia vi uma igreja promovendo o jejum entre seus membros através de uma rede social. Havia uma não tão sutil imposição para que todos seus membros o praticassem e uma certa tentativa de fiscalizar o seu cumprimento. Lamento comentar esse exemplo de uma maneira negativa. Sou favorável ao saudável resgate dessa disciplina, entre outras esquecidas e estigmatizadas pelo nosso mundo.

No caso do jejum, por exemplo, não nos esquecendo do mui saudável princípio da discrição e da disciplina espiritual que é cultivada no segredo da alcova íntima. Quer um benefício público e visível para ela? Enviem o que economizarem em sua prática para as vítimas no Haiti ou para aquele vizinho ou familiar em necessidade. Uma doação anônima, claro.

Deixem o papa, ou sua memória, e não barganhem com Deus, ou ao menos não cobrem de seu próximo que entre em seu próprio jogo de comércio divino e auto-promoção.

1 Romanos 5:3b
2 1 Corintios 9:27
3 1 Coríntios 11:23-27
4 2 Coríntios 12:8


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Prayer
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Kaj Bjurman