23 novembro 2007

Precisamos de heróis, Roberto

Logo estacionamos em frente à sua casa. Obviamente eu estava ansioso, e grato pela oportunidade de conhecer a Roberto. Fomos com um grupo de estudantes, graças a uma impagável gentileza de nosso anfitrião.

Trinta e cinco anos atrás, esse simpático médico cardiologista foi um dos sobreviventes do avião bimotor Fairchild F-227 da Força Aérea Uruguaia que caiu no meio dos Andes. O filme "Vivos" de Frank Marshall (1993) retomou um interesse pela história, que ainda fascina 35 anos depois do ocorrido.

Eram 45 ao todo, em sua maioria jovens jogadores de rugby do Old Christians Club. Morreram 16 no dia do acidente. Outros tantos não resistiram os ferimentos, a fome, o frio e as avalanches. Foram 16 os que sobreviveram aos 72 dias de isolamento na montanha.

Depois de ouvirem pelo rádio que as buscas haviam se encerrado, e depois de várias tentativas de escapar da prisão de gelo, três deles partiram para o que seria a derradeira missão em busca de ajuda. Um deles regressou ao acampamento e Roberto Canessa foi um dos dois que seguiu adiante. Após 10 dias de extenuante jornada encontraram o tropeiro chileno que os levou de volta à civilização.

Entramos, nos sentamos em silêncio, meio constrangidos. Na estante uma foto dos sobreviventes na neve. Na poltrona, sentada à minha frente estava sua velha mãe, atenta à história que seu filho contava pela enésima vez.

Roberto foi nos desvelando algo do drama com uma honestidade e simplicidade que me surpreenderam. Tomei coragem e lhe perguntei qual havia sido o momento mais difícil. Rápido devolveu “ah, foi depois do deslizamento”, fazendo menção à avalanche que os atingiu 16 dias depois do acidente. Mais oito companheiros morreram nesse dia. Parecia que qualquer esperança se esvaíra junto.

Queria lhe perguntar também qual havia sido seu momento de maior esperança, mas hesitei e não consegui. Na verdade, a pergunta se tornou desnecessária. Quando ele nos relatava as agruras da fuga das montanhas, contou-nos como foi do cansaço e desespero a uma experiência de renascimento da fé. Numa noite, ao entrar em seu saco de dormir, costurado com o isolante térmico da fuselagem do avião, viu uma lua gigantesca surgir por detrás da montanha. Também identificou as Três Marias. E pensou, “isso é o mesmo que vejo em casa, a casa onde eu quero chegar e para chegar lá eu preciso continuar nesse caminho”.

Suas muitas menções a Deus provocaram a pergunta de uma estudante, “se você não cresse em Deus, pensa que teria sobrevivido?”. “Não sei, pergunte isso a Ele. Quanto a mim, penso que não crer em Deus é um ato de grande soberba”.

Hora de ir. No jardim, ele me diz “incrível como essa história chama tanto a atenção”. Precisamos de heróis, Roberto. Hoje quisemos que você cumprisse esse papel. Vou embora pensando se talvez não devêssemos lhe pedir desculpas por isso.

Foto: © Copyright Viven 2007

Nenhum comentário: