31 março 2008

Talvez demore, mas espero que você veja



Todo mundo tem uma ambição. Ou várias. Boas e más, se é que já me permite de entrada emitir um juízo de valor acerca daquela que você tem.

Hoje não falarei das suas. Revelarei uma das minhas. Sabe, é pessoal, mas pode ser esse o espaço e o momento para a confissão.

Talvez demore, mas espero que você veja Cristo em mim. Pronto, disse, e agora não tem volta. Serei julgado e analisado por essa desmedida ambição. Posso me explicar, ou ao menos tentar. Passo então a essa delicada tarefa.

Foi em algum momento da vida, desculpe-me se não sei precisá-lo bem, em que tive essa, digamos, iluminação. Aí estava um ponto bem importante da fé que eu abraçava. Diria crucial. O de que em Cristo eu via a Deus, esse conceito e pessoa tão grande e tão difícil de abarcar, mas também via como eu deveria ser.

Abro um parêntese. Se você me disser que já entende tudo do Proprietário lá de cima (lá de baixo, dono do passado, do futuro, de tudo e daquele mais um pouco...) avise-me e lhe acendo uma vela. Mudo de devoção. Na verdade, talvez não, mas ficarei tentado diante de tal sapiência. Bom, fecho o que abri.

Ora, se em Cristo eu vislumbro algo desse Deus, ou ainda melhor, encontro-me com a essência e o coração do antes indecifrável, vou descobrindo que não existe melhor disciplina espiritual no mundo do que aproximar-me desse Cristo histórico e existencial, objetivo e apaixonadamente pessoal.

Depois de vê-lo, não há como continuar o mesmo. Não me achego a ele e saio assim sem aviso ou sem marcas dessa experiência.

Parte das cicatrizes do impacto que esse encontro produz me levam a uma simples conclusão e uma decisiva ambição. A de que quero ser parecido com ele. Confesso, na verdade, que essa é a minha construção e versão da história. O melhor seria dizer que foi ele quem, ao me atrair a esse encontro, queria isso desde o princípio. Creio que era sua a primeira ambição, a de que eu fosse mais parecido com ele.

Daí confesso algo mais. Só ele mesmo para enxugar minhas lágrimas quando reconheço quão longe estou dessa Sua ambição. Minha natureza parece que não combina com a ambição do Cristo. Eu, egoísta, avaro, indiferente, impulsivo, perfeccionista vaidoso e obstinado orgulhoso (que orgulhoso não pensa que sempre está correto e que teimoso não chega a padecer de orgulho?).

Então por isso penso que talvez demore até que você veja Cristo em mim. Viu como minha vaidade e meu orgulho me traíram, agora e no título desse artigo? Por certo que o melhor seria dizer “tenho certeza que tardará para que você veja Cristo em mim”.

Pode demorar, ou é certo que demorará. Agora lhe digo que nem ligo. Só confio. Espero naquele que disse que a semente leva seu tempo, primeiro o talo, depois a espiga, e só depois o grão que enche a espiga. E no mesmo agronômico capítulo 4 do evangelho de Marcos surge a promessa da ignorância. Diz lá que o agricultor dorme e acorda, noite e dia, sem poder saber como acontece a poderosa transformação. Mas, esperança, chega a hora da colheita!

Então depois você me conta quando conseguir vir Cristo em mim. Pensando bem, melhor não! É bom respeitar as fraquezas de cada um, aquele orgulho e vaidade ainda perambulam por aqui. Então me faz o seguinte. Por que não me conta a sua ambição? Abraço e até a próxima.

Foto:
© And time goes by....
Upload feito originalmente por paueti

23 março 2008

Não siga meu exemplo

Não vendo conselhos. Tampouco os empresto, nem mesmo lhes dou. Podem me chamar de egoísta, nem ligo. É para o benefício alheio que assim procedo.

A experiência de cada um é única, e ninguém quer (eu acho, mas posso estar enganado, aliás, muitas vezes estou) fomentar discípulos que buscam emular a experiência de outros em sua própria vida.

Bem, tal introdução se faz necessária antes de afirmar que não lhes direi como organizo minha vida de oração. Isso porque me pergunto que interesse pode haver para alguém querer entrar na intimidade de duas pessoas tão diferentes, um mortal e falível ser humano e o Todo Outro, o transcendente.

Então nem lhe direi que, depois de frustradas tentativas de modelos e receitas que busquei, encontrei já há alguns anos a fórmula com a qual estruturo esse encontro tão desigual chamado tempo devocional.

Meu resumido roteiro espiritual segue o seguinte esquema. Em uma pequena folha (para que sempre esteja à mão) registro debaixo de sete áreas gerais os temas pelos quais estarei orando todo dia. No mês seguinte reviso e renovo, ou não, os itens pelos quais estive orando no mês anterior.

Já que comecei, exponho-me e lhe revelo os tais temas: Devoção Pessoal (onde desejo crescer no conhecimento da Graça), Família (há que orar para que me aturem e me amem), Ministério Estudantil (se não oro pela gente e assuntos de meu trabalho, por certo que devo buscar outro emprego), Igreja (como posso e devo melhor servir na diversidade do Corpo), Nação (orar pelos temas da nação é algo que me conecta ao lugar onde vivo e sirvo) e Mundo (acreditando que minha oração pode mudar meu coração e, quem sabe, a história).

Caso haja checado, viu que até agora foram seis. Falta um. É simples. Chamo-o de Outros. Cabe qualquer coisa aí, porque assim são as coisas de caráter pessoal. Usualmente preparo uma lista de nomes. São as pessoas que nesse mês em especial se tornarão alvo das orações que apresentarei ao Dono lá de cima.

Sei que não me perguntou, ainda assim lhe explico como faço. Vou lendo o que escrevi, faço pausas, adiciono algo, tento escutar. Parece que nem sempre capto o que deveria nesses momentos de escuta, ou talvez não tenha ainda aprendido a “ler” esses silêncios do alto. Mesmo assim ligo o receptor e mantenho-me atento.


Ao ligar a antena, tem me ajudado muito manter essa disciplina de explorar uma ampla e variada gama de temas. Orar por mais, e não por menos. Clamar mais pelos outros do que solicitar para mim mesmo. Agradecer mais do que pedir. Escutar mais do que falar. Buscar mais a agenda daquele com quem me encontro do que impor a minha própria.

Disse que não dava conselhos e acabei dando. Melhor, mudei de idéia. Na verdade, eu vendo! Se você leu até aqui, sinto muito, está em débito comigo. Você pode argumentar em contrário e dizer que isso aqui não vale muito. Bem, pode ter razão, mas já que não aceito devoluções, faça seu preço! Passe no caixa. Depois a gente se fala. Até a próxima.

Foto: © Gary Pumfrett - 2008 TrekEarth

11 março 2008

Como (não) falar em público


O microfone enorme me intimidava mais do que o repleto e desconhecido auditório. Disfarcei o nervosismo, puxei todo o ar que pude e de uma vez soltei bem forte a saudação Akurhula ka Hossi (“A Paz do Senhor”).

Silêncio no salão. Seria minha pronúncia tão ruim assim? Rápido, porque não basta ter confiança, é preciso transmitir confiança, engatei uma segunda frase, Xikwembu xi ku Katikisse (“Que Deus os abençoe”, ou “Que a presença de Deus esteja aqui com vocês”).

Mais silêncio, olhares raros e tenho quase a certeza de ter ouvido alguma risadinha. Posso estar enganado, aliás, nem estava seguro ou confiante como queria parecer.

Foi aí que uma alma caridosa, na primeira fila, me sussurrou algo assim, “Você está falando em Shangana, e os estudantes aqui em sua maioria falam Sena”. Foi um misto de alívio e de vergonha. Na verdade, mais dessa última quando soube que a mesma palavra usada para Deus em uma língua significa chuva em outra, e ainda “pessoa de raça branca” nas línguas faladas por outros estudantes ali.

Ou seja, desejar que todos ali se ensopassem na chuva ou ainda dizer que o branco (estrangeiro, colonizador) os abençoasse com sua presença, não eram as saudações de ouro que pretendia usar no início de um congresso estudantil em terras estrangeiras.

Era a primeira conferência nacional para estudantes universitários cristãos organizada pela Aliança Bíblica Estudantil de Moçambique (ABEMO). Tínhamos sido convidados a ir com um grupo do Brasil para apoiá-los nessa iniciativa pioneira.

Desfrutamos de semanas de aprendizado sem igual, muito mais para nós do que para aqueles a quem supostamente tínhamos ido ajudar. Não tenho como descrever a maneira como fomos abençoados pela generosidade, carinho e criatividade em meio à adversidade de nossos irmãos moçambicanos.

Além da conferência em si, diversas outras oportunidades para falar em público apareceram, a pequenos e grandes grupos, bem variados, em diferentes situações, e em circunstâncias que apareciam como que sobre o momento.

Pensei em compartilhar com vocês algumas rápidas dicas acerca de como preparar-se um pouco melhor para falar em público, e em especial em situações de improviso. Algumas sugestões:

• Faça perguntas sobre o público, quem são, pelo que se interessam, porque estão ali, o que supostamente já conhecem sobre o tema (tudo bem, também não custa perguntar que língua falam, para o caso de querer fazer uma graça... mais seguro ainda seria deixar de lado a graça e usar o expediente do humor em outra ocasião, com um público mais conhecido);

• Se a oportunidade surgiu em cima da hora, peça um tempo e faça um pequeno esboço, mental ou de preferência em notas discretas, sobre o que falará;

• Sempre leve consigo algumas notas de palestras e de temas que você já maneja bem. Melhor se forem textos completos, sem que você os leia ao falar, mas que o ajudem a memorizar, ou pelo menos a manter uma linha de raciocínio, sempre acompanhados de esboços mais acessíveis à rápida consulta. Eles poderão te salvar. E não custa dizer, não tente se aventurar, ainda mais de improviso, em águas ou temas não antes navegados;

• Nunca deixe que os recursos audiovisuais “falem” mais alto do que o ponto que você quer enfatizar. Se um recurso não ajuda, ou se tira o foco do ponto principal (qual era ele mesmo?...), deixe-o de lado. Três coisas são mais importantes do que a tecnologia: conteúdo, conteúdo e conteúdo;

• Conte uma história, dê um exemplo relevante e obviamente ligado ao tema, busque ser divertido. O humor deve ser comedido, sem exageros e, não custa dizer, há situações em que não convém usar esse expediente. Por exemplo, em uma cultura bem diferente da sua, ou num momento solene, ou em um velório, bem, já pegaram o ponto. A história ou o humor devem servir somente de apoio à boa comunicação. É verdade que um bom conteúdo, quando mal apresentado, é pouco ou nada aproveitado;

• Não queira dizer tudo de uma só vez. Querer falar muito e acerca de tudo pode ser pouco produtivo. Ainda mais quando se pode deixar um gostinho de "quero mais", um desejo de ouvir a próxima parte, quando...


Foto: © Pablo Nogueira
123 Probando!
Upload feito originalmente por nogue

09 março 2008

"Eu amo o presidente!"



Vocês sabem, a Internet é algo maravilhoso e perigoso ao mesmo tempo. Todo mundo descobre qualquer coisa. Os leitores assíduos (mamãe e vovó) vão se lembrar do que aconteceu quando meu vizinho leu aqui um artigo.

A coisa funciona mais ou menos assim. Nem pense em brincar escrevendo que pensa em matar um presidente de uma grande potência. Ops,... eu disse! Então, ah, quero dizer..., como minha tecla “delete” não anda funcionando bem, aclaro aqui que na verdade eu amo o presidente, estão me entendendo!?

Pois é, daí que o ultimo artigo que escrevi sobre meu amigo Duncan Olumbe (Do outro lado do Atlântico) foi descoberto e lido por ele no mesmo dia, usando aquelas ferramentas de busca e tradução que deixaram o texto ainda bem pior, posso garantir.

Daí Duncan me escreveu. Compartilho aqui os trechos da carta que podem ser de interesse público, por falarem da crise no Quênia, e porque ele indica outra interessante entrevista (em inglês) que ele concedeu a World Evangelical Alliance.

Ah, e que fique claro, eu adoro o Mr. President, tá bom?

“Estimado Ricardo,

(...) Os últimos dois meses foram como um inferno para o nosso país – depois da horrenda violência que irrompeu após as eleições disputadas em 27 de dezembro de 2007. Mais de 1500 pessoas morreram e mais de 600.000 tiveram que deixar seus lares. Houve um momento no mês passado que tudo parecia perdido e a possibilidade de uma guerra civil em larga escala era muito real! Graças a Deus que na semana passada os dois líderes em conflito assinaram um acordo de paz e as coisas agora estão lentamente voltando ao normal.

... antes que possamos compartilhar algumas outras idéias, você poderia ler um artigo que eu escrevi duas semanas atrás (no auge da crise). Ele foi agora ultrapassado pelos eventos, mas de qualquer modo estou contente que a comunidade internacional levou a sério alguns de nossos alertas e pressionou os dois líderes a chegarem a um acordo!

Sim, o mundo da Internet é incrível! Entrei no seu blog ontem! Regularmente faço uma pesquisa com meu nome para ver o que está lá fora com o meu nome... Para ver se ainda estou seguro (hahaaaa!). Foi uma alegre surpresa ver que você ainda tinha uma cópia da entrevista que fez comigo no ANCC.

Saudações,

Duncan”


Foto: © Looking Inside
Upload feito originalmente por Christoph Dudek

06 março 2008

Do outro lado do Atlântico

(Série Entrevistas – III)1

É 1992, num dia quente em Nairóbi, Quênia. Oito mil estudantes da Universidade de Nairóbi marcham em protesto contra um governo autoritário e corrupto. Logo adiante, um batalhão de soldados os espera, armas prontas para atirar. Poucos dias antes estudantes haviam tombado vítimas de suas balas. O momento do confronto se aproxima.

Antes, porém, um grupo de estudantes se adianta de mãos dadas e interpõe-se entre seus companheiros e a tropa. Um deles caminha a passos firmes em direção ao pelotão e começa a negociar. Ele assume a responsabilidade por uma manifestação pacífica caso os policiais recuem. Seguem alguns momentos tensos e ao fim o batalhão recua. O jovem estudante então volta e persuade seus colegas a que façam um protesto não-violento.

Iniciativa e coragem, evitando outra tragédia. Duncam Olumbe, àquela época um dos estudantes cristãos que avançou de mãos dadas e o responsável pela negociação, nos relata sua história de lutas em seu envolvimento com o FOCUS, o movimento estudantil cristão equivalente à ABUB (Aliança Bíblica Universitária) no Quênia. "Nós decidimos ser uma voz para os estudantes, nos envolvendo e trazendo-lhes bom senso."

Após episódios como esse e depois de formado, Duncan teve fortes razões para continuar se dedicando ao ministério estudantil, já que conheceu a Cristo através da União Secundarista Cristã, o ramo desse movimento que atua a partir do ensino médio no Quênia. Quando ele entrou na Universidade de Nairóbi, foi natural o seu envolvimento com o ministério do FOCUS e, depois de sua graduação, tornou-se assessor do movimento. "Eu realmente desfrutei estar no 'front': pregando, visitando, trazendo-lhes questões, orientando os grupos pequenos e envolvido no ministério um a um".

Seiscentos estudantes cristãos (isso mesmo, 600!!!) faziam parte do grupo na faculdade onde Duncan mais atuava como assessor. Que desafio! Talvez não muito para Duncan. Por quê? "Eles não precisam de muito encorajamento. Eles têm a iniciativa para fazer o que precisa ser feito e são bastante dedicados na tarefa de compartilhar o evangelho com outros estudantes".

Nem tudo são flores. Os estudantes sofrem por causa da corrupção, hostilidade entre as tribos e o aumento da incidência da AIDS. "Nós precisamos ajudar os estudantes para que sejam capazes de permanecer firmes contra a corrupção. Precisamos ajudar estudantes de diferentes tribos a se relacionarem melhor. Com relação ao problema da AIDS, precisamos ajudar os estudantes do grupo a perceberem que eles têm um papel importante a desempenhar na ajuda a seus colegas com AIDS, no acolhimento, aconselhamento, no testemunho e cuidando-os em todas as suas necessidades".

Os estudantes muçulmanos estão crescendo em número, “agora em cada
campus há uma mesquita, ou pelo menos um lugar para adoração”. No começo, os estudantes cristãos abordavam os muçulmanos de uma maneira inadequada. “Eles diziam ‘Alá não é Deus’, ‘Maomé está morto’. No mínimo, não eram sábios, porque os muçulmanos sentiam que haviam sido profundamente desrespeitados pelos cristãos”.

O bom foi que os estudantes não tiveram medo de reconhecer os seus erros, procurando melhores meios para compartilhar o evangelho. “Nós começamos um grupo de interesse sobre o Islã. Nós orávamos, líamos a respeito do que criam e aprendíamos a dialogar com os muçulmanos”.

O último desafio que Duncan compartilhou conosco tem a ver com os estudantes na sua vida pós-universidade. “O problema é: nós temos um número enorme de cristãos comprometidos nos grupos. Mas quando eles se formam, o efeito na sociedade é muito pequeno. A questão é como ajudá-los a se tornarem maduros em Cristo, de tal forma que quando eles entram na sociedade como profissionais, se tornam de maneira evidente sal para o mundo".


Vocês acham que isso também vale para a nossa realidade? Vozes e ações se levantam do outro lado do Atlântico, com suas lutas e vitórias, para nos estimular e nos ensinar em nossa missão tupiniquim.

1 Esse artigo foi escrito por ocasião de uma entrevista que fiz com meu amigo Duncam Olumbe, em 1997, quando ambos estudávamos no All Nations Christian College. Duncam adorava não ter que marcar hora para bater na porta de seus amigos brasileiros para uma boa conversa e café.

Foto: Peter Kozikowski - Copyright © 2008 TrekEarth

04 março 2008

"Por que teu fusca é verde?"



(Série Entrevistas – II)

Descobri mais entrevistas aqui no baú. A que aqui reproduzo1 foi dada a um repórter da Enfoque Gospel por ocasião do 2º Congresso Brasileiro de Evangelização, novembro de 2003, em Belo Horizonte.

Encontrei outras, como as em que tentei dar explicações sobre a "orientação doutrinária e pentecostal" da ABU, ou responder se ela se associava a “grupos comunistas de diversas correntes...”. Teve também aquela, mas essa foi divertida, em que tive que oferecer uma resposta à profunda questão existencial “por que teu fusca é verde?”. Mas anuncio que o imenso público leitor desse blog será poupado dessas.

Assim, como não convém seguir falando de si mesmo (veja Livros, blogs e o fim do mundo), prometo encerrar a série “Entrevistas” com um relato que vem do outro lado do Atlântico, através de uma entrevista que fiz com meu amigo queniano Duncan Olumbe. Até a próxima!


EG - Quais foram os maiores avanços e os maiores recuos da igreja evangélica brasileira?

A igreja evangélica cresceu, aumentou sua visibilidade e, de certa forma, o evangelho tem chegado a mais pessoas. O problema se dá muitas vezes com o tipo de evangelho que vivemos e pregamos. A tentação de distorcer esse evangelho para se adequar às regras do mercado da adesão religiosa pode ser grande. Por outro lado, o crescimento abre oportunidades não vistas antes. Essas portas abertas precisam ser bem aproveitadas, levando em conta sempre a necessidade de fidelidade ao evangelho das Escrituras e a sensibilidade que precisamos ter para uma adequada inserção e comunicação com a geração de nosso tempo.

EG - O que mais preocupa no atual quadro da igreja evangélica?

Talvez seja a pergunta acerca de quem são os evangélicos hoje. Nossa identidade é fragmentada, confusa. Tanto a percepção acerca do que cremos como a imagem pública que projetamos na sociedade. Ser evangélico hoje significa muita coisa diferente, desde a pregadora judaizante até a artista libertina da televisão. Isso deve dar um nó na cabeça das pessoas. Precisamos redescobrir nossa identidade. Mas em meio à nossa fragmentação e desunião, isso não parece ser uma tarefa simples.

EG - O que demonstra a expansão do público evangélico no país? Isso é qualitativo ou só quantitativo?

Não dá para dizer que é só quantitativo. A igreja evangélica que sobe nas favelas e que faz diferença nesse meio é algo fantástico. Precisamos aprender muito acerca de novas iniciativas de missão em nosso meio, como esses casos das favelas, dos ministérios entre os excluídos e marginalizados, das pequenas igrejas se multiplicando no meio do sertão. São fenômenos que acontecem distantes do crescimento de grandes igrejas nos centros urbanos, essas que costumam atrair uma juventude ávida por novidades. Há crescimento para todos os gostos. Mas ainda que seja crítico, não posso ser negativo acerca da possibilidade da ação de Deus em nosso meio.

EG - Quais são as novas metas que a igreja precisa alcançar?

Seguindo na linha da pergunta anterior, precisamos de qualidade (evangelho bíblico sendo pregado e bem entendido) juntamente com a saudável preocupação da quantidade (é claro que desejo que o maior número de pessoas seja alcançado com o evangelho de Cristo). Precisamos conhecer melhor a realidade diversa de nosso país, e viver um evangelho que possa produzir mudança nas pessoas, nas leis, nas estruturas, em toda a sociedade. O evangelho que nos foi confiado não é para um gueto. É para a transformação de um país, e para o envio de missionários servos para muitas nações desse mundo. Devemos assumir essa responsabilidade, e trabalhar mais para que isso aconteça.

EG - Como secretário geral2 da ABUB, qual é sua visão diante da preocupação da igreja em investir na pregação para os jovens e na preparação de jovens que façam a diferença?

Precisamos saber melhor preparar nossa juventude para uma vida de serviço e missão, onde quer que o Senhor nos colocar e nos enviar. Precisamos ir na contra-mão de uma superficialidade individualista e consumista que bombardeia a cabeça do jovem de hoje. Creio que o nosso papel não é tanto o de criarmos redes para proteger nossos jovens dos perigos do mundo. Precisamos prepará-los e discipulá-los para que assumam seu papel como testemunhas de Cristo, que saibam se conectar com a geração de seu tempo, e que desenvolvam uma fé madura em meio às lutas e percalços da missão a que são chamados.

EG - Um grande número de jovens se afasta da igreja alegando não haver programações interessantes. Isso é uma realidade da igreja evangélica? Como superar isso?

Não creio que o nosso desafio seja o de produzir programações interessantes. Precisamos do evangelho de Jesus, e que ele seja comunicado de maneira inteligível a essa geração. Se a proclamação do evangelho for criativa, viva, com a utilização de dons variados, ótimo. Mas o foco não deve ser o "como posso atrair mais jovens", e sim como eu tiro os obstáculos desnecessários para que a Palavra de Deus mais uma vez mostre o seu poder de atração e de transformação na vida dos jovens de hoje. Esse continua sendo um tremendo desafio para a igreja.

1 Mike era o nome do simpático repórter. Nunca soube se ela foi ou não publicada. Por não saber, suspeito que não. Tudo bem, ao conhecer o "editor" desse blog aqui, torno a coisa pública. Assim, vocês podem dar razão ao editor da revista :-)

2 O atual secretário geral da ABUB é Reinaldo Percinoto Jr., um merecido upgrade.

Foto: ©
Volks
Upload feito originalmente por TantoFaz

01 março 2008

O ensimesmado e suas tentações



(Série Entrevistas - I)

Ernesto Sabato uma vez disse que “uma entrevista quase sempre inclui ao menos duas pessoas ensimesmadas tratando de entender-se”
1.

Há alguns anos, uma repórter de um jornal chamado “Expressão Nacional” me entrevistou. Propunha uma pauta sobre as “tentações na universidade”. Eu não me sentia tentado pela pauta e tentava (haja trocadilho...) levá-la em outra direção.

Conversa vai, conversa vem, saiu uma matéria e a entrevista no tal jornal (não me recordo agora se era um jornal do ministério
Palavra da Fé ou da Internacional da Graça, algo assim...). E se você está curioso por saber, saiu um título em letras garrafais assim: “Jovens são tentados na universidade”.

Se o Sabato tem razão e mesmo assim você ainda tem a paciência de ler uma entrevista, deixo-lhe com o relato. O perigo está em que eu me anime e reproduza aqui outras entrevistas que estou descobrindo no porão... Desculpe-me, fazer o quê, devo ser mais um desses ensimesmados, caindo em suas próprias tentações...

EN – O ambiente universitário, por sua filosofia humanista, dificulta a vivência de crentes. Que cuidados um estudante evangélico deve tomar ao ingressar na faculdade?

Acredito que o problema não seja tanto certa ‘filosofia’ defendida na universidade, e sim essa ‘mística’ do que representa o ambiente universitário e como o estudante encara esse momento de sua vida. Para muitos, esse é um momento de deixar a casa dos pais, de assumir maior autonomia em sua
vida, de tomar decisões e de assumir convicções que provavelmente o acompanharão pelo resto de suas vidas. Assim, se a cabeça não estiver bem resolvida e algumas convicções não estiverem bem assentadas, o estudante pode vir a ser tentado a simplesmente acompanhar ou fazer o que a maioria faz, buscando aceitação, integração, ou a experimentar o que considera ‘adrenalina’ e ‘aventura’ da vida universitária.

EN – Quais são os principais focos de tentações neste meio?

As tentações não são diferentes das que todos experimentamos no mundo. De novo, o problema se dá com o momento de vida da pessoa, e se suas convicções são superficiais ou se são adquiridas e assimiladas. Por causa da faixa etária em que normalmente essa entrada na universidade se dá, diria que muitos nessa época estão em construção do que crêem, de como vêem sua fé, a vida, as suas relações e o que desejam para o futuro. Assim, de fato, é um momento crítico, em que experimentar o novo pode ser muito tentador.
Quando falamos de tentações, é preciso falar também de oportunidades. Assim, equilibramos o cuidado necessário em firmar a nossa fé com o mandamento de colocar nossa fé à prova, compartilhando-a com outros no contexto onde estamos. Assim, o jovem evangélico ao entrar na universidade deve ser chamado não apenas a guardar a sua fé, mas ser desafiado a viver sua fé junto com irmãos que ali encontrar, compartilhando-a de maneira contextualizada e ousada no campo de missão onde o Senhor o colocou.

EN – Existem organizações que se interessem em aconselhar estes jovens universitários?
Há ministérios de capelania universitária, e movimentos estudantis cristãos, como a Aliança Bíblica Universitária (ABU), ministério com o qual eu trabalho. Talvez mais do que aconselhar os estudantes, um movimento como esse se propõe a ser missionário, onde os próprios estudantes são desafiados a assumir a responsabilidade de serem testemunhas de Cristo nesse ambiente onde estão inseridos. E a ABU, por exemplo, se propõe a estar na retaguarda, em encontros de capacitação, fornecendo assessoria e boa literatura, procurando apoiar o estudante em seu ‘front’ de missão. Creio que o desafio de vivenciar e compartilhar sua fé, junto a outros estudantes
cristãos, por si será uma experiência muito rica de conhecer melhor a Deus e ter sua fé provada e aprofundada.

EN – A Igreja tem apoiado essas iniciativas?

Um movimento como a ABU se vê como parte da Igreja, como uma extensão dessa fazendo missão dentro da universidade. Se pudesse resumir em poucas palavras, diria que é um movimento estudantil, evangélico, interdenominacional e missionário. Quando passamos para a realidade de cada igreja local, as posturas são bem variadas. Há muitas que têm a visão de apoiar seus jovens nesse esforço missionário, em retaguarda de oração, discipulado e acolhimento dos novos convertidos. Outras, nem tanto. Mas talvez o principal problema se dê com a linguagem e a postura em muitas igrejas. Fala-se muito de fugir das tentações do mundo, inclusive as do mundo universitário, mas pouco em como fazer pontes de boa comunicação do evangelho, em como ser sal e luz nesse contexto.


EN – Além dos cuidados extra-classe, como o jovem universitário deve se prevenir para não ser enlaçado pela filosofia anti-bíblica ministrada durante as aulas?

Em nossa experiência, boa literatura e espaço para reflexão em grupos de estudo bíblico, onde se discute também os temas da atualidade, são uma boa ajuda. Agora é preciso ler e ouvir de tudo, de maneira crítica, aprendendo a questionar e a construir uma visão de mundo bíblica, sólida, inteligente e articulada. E essa leitura crítica também é necessária para a chamada ‘literatura evangélica’, porque muito do que se escreve reforça preconceitos e estereótipos, não ajudando na formação de uma boa mente cristã.


Foto: ©
stark doing his thing
Upload feito originalmente por sergio_recabarren


1 Em: Medio Siglo con Sabato – Julia Constela, Textos Libres.