24 maio 2011

Onde traçar a linha contra a cultura da morte?

(ou como foi que aborto, Bin Laden e US marines se juntaram para debater em minha pobre cabeça...)

Não sei se curiosa coincidência ou o quê, mas tudo aconteceu no mesmo dia. Primeiro foi aquela faixa que se agarrava dos gradis das sacadas quase francesas daquela esquina central de Montevidéu: “Legalizar o Aborto Já!”.

Não foi por indiferença, creio eu, mas segui o meu caminho. Parei. Dei meia-volta e a inspecionei. Seria uma ONG? A sede de um partido político? Não havia qualquer identificação que sugerisse algo aparentemente institucional. Apreciei então, ainda que desanimado, a coragem de quem quer que seja para manifestar-se assim publicamente sobre o seu, como se diz, “direito de escolha”.

Ao chegar a casa, vejo no noticiário a amarga história sobre uma mãe no Texas que é presa por tentar assassinar o seu filho de quatro meses. Os médicos desconfiam, a tecnologia ajuda, e uma câmara escondida revela que ela havia tentado asfixiar seu rebento. As imagens são exibidas, a notícia comove, com o pico da emoção na seqüência que mostra os enfermeiros resgatando a criança. Um é levado a salvo, a outra é levada pela polícia.

Os dois temas se mesclaram inevitavelmente em minha mente. Onde traçaria a linha para definir que algo é condenável em um caso e no outro não. A pergunta simplista, reconheço, que me martelou foi: “qual é a diferença”? Ou pelo menos para buscar entender por que me emociono em um caso e sou indiferente ou ainda defendo arduamente a causa oposta no outro?

E logo no Texas, vejam só… Foi lá que surgiu o emblemático caso “Roe vs. Wade”, depois levado a Suprema Corte, onde em 1973 foi decidido que, em toscas linhas, o aborto seria permitido até que o feto se tornasse “viável”, ou seja, até que fosse potencialmente capaz de viver fora do útero materno, sem ajuda artificial.

Então me veio a pergunta: teria sobrevivido sem ajuda (“artificial” ou não) aquele bebê de quatro meses? Refiro-me ao bebê já nascido da notícia e não aos inúmeros não nascidos, “viáveis” e “inviáveis” que morrem antes, (des)amparados ou não pela lei. Minha cabeça dá voltas. A quem o Estado deve proteger e por quê? Bebês, nascidos e não nascidos, ou as suas mães? Tanto as que desejam ter, como as que preferem abortar ou ainda aquelas que preferem uma coisa mas são coagidas por outros a fazer a outra (e isso vale tanto para as que abortam como as que não). A quem protejo? Quem merece a vida, a educação, a prevenção ou a punição pelo Estado?

Difícil, reconheço, mas sou da cultura pela vida, e nunca celebro a morte. Aliás, nem a de alguém como Bin Laden, se me permitem trazer este outro espinhoso tema à uma conversa já difícil. Emocionei-me ao ler o artigo de Donna Marsh O’Connor, “Every day is 9/11, every day is pain”. Sua filha Vanessa havia morrido no ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em setembro de 2011. Ao ver a notícia da morte do assassino de sua filha, ela foi ao Facebook e escreveu: “Osama Bin Laden está morto. Vanessa também. Nós não celebramos a morte em nossa família”. Logo estava dando entrevistas na TV sobre porque seu sentimento não era o mesmo dos milhares de jovens que saíram às ruas para festejar a “operação”. Tampouco ela quis julgar esses jovens. Lembrou que eles eram muito pequenos à época do atentado e concluiu com sabedoria de mãe: “não devemos julgá-los e sim ensiná-los”.

Donna Marsh O’Connor é a porta-voz do grupo pacifista “September 11th Families for Peaceful Tomorrows”. Ainda que alguns possam criticar a “efetividade” da paz contra o “terrorismo”, é impossível não se perguntar se a “cultura de morte” presente na despedida dos US Marines quando saem à guerra não traria perigosas semelhanças ao “culto à morte” entre jihadistas islâmicos. Se violência, ódio e morte se retroalimentam, me alegro que haja vozes buscando alternativas para entender as causas do terrorismo, para promover educação e a consciência de novas maneiras de atuar, tanto para os indivíduos como para os estados.

Onde traçar a linha contra a cultura da morte? Até onde o Estado deve atuar, decidir, legislar ou intervir? A mesma pergunta vale para “Estados”, no plural, no que se refere à ordem global. Que devemos esperar do(s) Estado(s) ou o que fazer quando não estamos de acordo com suas políticas ou leis? Por agora lhes deixo com as perguntas e logo pretendo voltar a elas como uma desculpa para contar-lhes sobre os livros que venho lendo sobre o tema, e outros que ainda pretendo ler.