31 julho 2009

A verdade nua e crua



50 cm e 3,540 Kg. Assim, direto ao ponto e com riqueza técnica recebi ontem uma chamada anunciando o nascimento de meu sobrinho.

Isso me fez pensar por que nos fascinamos com certo tipo de informação e não com outro? Por que me interessa saber quão grande nasceu o rebento (com implicações diretas para a dor da feliz mãe) e não perguntamos, por exemplo, se ele é bonito como um ou inteligente como o outro (falando dos progenitores, é claro, e deixando com os mesmos a disputa por um ou outro atributo...).

A verdade, nua e crua, é que outros detalhes são menos prazerosos e um tanto incômodos: a usual cara amassada, o choro, a dor da mãe, o cansaço do pai (ou a vergonha por ter desmaiado na sala de parto), etc.

Mas não devemos perguntar sobre o que é incômodo, ou devemos? Lembro-me dessa metáfora que Kierkegaard usou para referir-se ao que seria um evangelista. Seria aquele que fica escondido por detrás de um arbusto, e quando o transeunte passa, sai de onde está, lhe dá um pontapé no traseiro, e volta a esconder-se. O caminhante se vira, não entende o que lhe passou, e segue o seu caminho.

Mas agora sua caminhada será diferente. Estará pensativo, intrigado, tentando imaginar o que pode haver passado. Há algo mais que ele não entende, não sabe a resposta, e isso o faz questionar-se, sair de suas próprias certezas. Andará mais desconfiado e atento. Alguém o incomodou em seu mundo sólido e seguro.

Quando dou aulas sobre evangelismo, animo os alunos a seguir a metáfora do dinamarquês. Saiam e dêem seus pequenos pontapés! “O cara me disse que os crentes são pobres”. “Claro, diz pra ele que somos todos pobres, eu, você, ele, todo mundo! Ou ele acha que é algum tipo de faraó que levará pro além dinheiro, servos e concubinas?” Se digo pra alguém que somente quando reconheço minha pobreza absoluta posso então encontrar a riqueza verdadeira, esse é um bom cutucão em seu orgulhoso traseiro.

“Ah, esses religiosos abraçam sua fé como uma tábua de salvação, são uns fracos!” “Claro, e eu racionalmente te explico que você abraça a tábua de sua razão como uma bóia e ídolo, sem admitir sua idolatria, enquanto eu reconheço que abraço minha fé, aceitando que ela é razoável, mas que também é baseada em uma revelação que vai além do racional. Se respeitosamente assentimos que cada um tem a sua bóia, então podemos conversar aberta e honestamente sobre onde encontramos a que cada um leva debaixo de seu braço e aonde esperamos chegar com elas”. E antes que eu me esqueça, foi o mesmo Kierkegaard quem disse que somos todos fracos, que há só um que é “o forte”. Mas volto a esse ponto em outro momento.

Como foi que saímos de um bebê e fomos parar em pontapés filosóficos nos traseiros alheios? Acho que o nexo foi esse de aprender a cortesmente incomodar o outro sobre as verdades mais profundas e importantes da vida, certamente um bom e saudável exercício.

Concluindo, devo dizer, a crua verdade é que o garoto de fato nasceu bonito! Teria puxado o tio? Não, melhor deixar essa ilusão vaidosa, antes que me dêm um pontapé...

Foto: © Life seems harder than we think
Upload feito originalmente por
Alexandre Bertin