17 novembro 2008

Sou trevas



Sou trevas, mas não caminho em trevas. Conseguiria explicar essa equação?

Não andarão em trevas aqueles que o seguirem, assim prometeu o Mestre. Um título nobre e bastante diferente os acompanharia: filhos da luz.

Ler o evangelho de João nos leva e nos traz ao redor dos dilemas e tensões da pugna entre a escuridão e a clara luz.

Uma chave pra abrir a equação nos é entregue pelo próprio “Eu Sou”. Numa de suas muitas explicações de si mesmo registradas no quarto evangelho, aparece essa em que assim se define, “eu sou a luz do mundo”.

Quando sei quem é a luz e onde está a fonte que iluminará a escuridão do mundo, conto então com a ajuda vinda do século XVI, do místico João da Cruz, para me ajudar a entender o possível e desejável encontro dessa luz comigo mesmo.

Para João da Cruz, nós somos as trevas, diante do único que é luz. E a luz, quanto mais perto dela estivermos, mais consciência provoca em nós de nossa própria escuridão.

Ou seja, quanto mais próximo estou da luz, mais reconheço o quanto de trevas há em mim. Mais consciente me torno de minhas limitações, de meu mal, de meu pecado.

Se perto da luz estou, mais pecador me percebo. Claro! Se longe da luz estivera, na penumbra ou escuridão, mais difícil seria ver o quão desconcertado e equivocado eu sou. Não conseguiria, ou pelo menos assim o fingiria, ver meus próprios erros.

Mas se me aproximo da verdadeira luz, ela me invade, penetra em minhas trevas, me expõe, e me enche com essa luz de vida e de verdade.

Penso que sou luz e que posso iluminar o mundo? Ledo auto-engano. Mas há paradoxo e esperança! Se reconheço a única luz que há, ainda que ela me invada em um doloroso processo que expõe a mim mesmo e aos outros quem de verdade eu sou, poderei ainda de alguma forma refletir essa luz, que não é minha, em um mundo que tateia no escuro.

Posso ser “filho da luz”. Posso rejeitar o “andar nas trevas” para experimentar a vida que há nessa luz. Posso até, quem diria, refletir essa luz que apontará o caminho para que outros cegos como eu sejam liberados da escravidão da escuridão.

Mas começa assim, bem simples, quando primeiro reconheço que eu sou trevas. Nada mais, nada menos, para que a luz assim cumpra o seu papel.


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