03 maio 2010

A conversão de um asiático nos banheiros de Lausanne.



"Eu me converti em um banheiro de Lausanne". O brilho de seus olhos miúdos se estendia por sua frente larga e se esparramava por suas finas cãs, as mesmas que me confidenciavam sua idade. Demorei um pouco para entender a que ele se referia quando falava de sua "conversão".

Esse simpático senhor do sudeste asiático, a quem tive o privilégio de conhecer em uma recente viagem recente, contou que isso se deu em sua juventude, quando participou do Congresso Mundial de Evangelização, em Lausanne, em julho de 1974. Entre os quase quatro mil participantes (entre delegados e observadores), estava esse jovem líder cristão do oriente. Aí se deu uma inusitada experiência que marcou para sempre sua vida e ministério.

Ela não se deu nos confortáveis e frescos recintos das plenárias e dos diferentes seminários, mas naquele vulgar lugar a que seus participantes se destinavam para que suas básicas necessidades fisiológicas encontrassem um alívio almejado, o banheiro.

É que justamente ali sua alma e seus ouvidos não encontravam esse tal alívio, e sim incômodo e iminente decepção. Se dava que saía do auditório tão animado e desafiado pelo que havia escutado, em especial de seus irmãos latino-americanos, como René Padilla e Samuel Escobar, para em seguida cair no estupor ao ouvir comentários depreciativos e apreciações não muito positivas naquela quase intimidade dos WCs de Lausanne.

Haviam intrigas e articulações tramadas bem aí, tendo como testemunhas aquelas finas divisórias que revelavam ao nosso jovem irmão oriental que a singeleza de coração encontrava seus limites nos umbrais da discordância teológica. Nesse caso, o muro virtual eram aquelas portas onde um ambicioso "Gentlemen" se lia em sua entrada.

Esse saudoso senhor nos conta que algumas das vozes que lhe causaram frustração pertenciam aos que então eram considerados por ele os "grandes nomes". Os mesmos que estampavam as solenes capas dos livros que se disputavam nas mesas dos materiais de referência, avidamente buscados para a construção da sã doutrina.

O sorriso se abriu para revelar que, por estranho que pareça, o efeito disso em sua vida foi abençoador, e não algo que haja destruído sua fé. "Me converti da devoção aos heróis que cultivava para a única devoção que importava, a Cristo e a seu evangelho radical e genuíno".

Foi nesse evento que descobriu irmãos não famosos do outro lado do mundo que buscavam viver com a integridade total do evangelho sua vida e sua missão. Essa conversão o levou a uma trajetória impressionante de relevância no ministério estudantil em seu país, à fidelidade ao Senhor em posições de destaque mais tarde no governo de sua nação, e a influenciar positivamente toda uma geração de líderes naquela região do continente asiático.

Ele prefere que não o considerem um herói hoje. Seria algo incoerente com a mudança importante provocada em sua vida por acontecimentos distantes em toaletes suiços. Talvez por coerência com seu desejo e exemplo, mantenho anônina a identidade de nosso sábio irmão.

Não é interessante ver como necessitamos de heróis? Mas suspeito que pelo menos quanto aos "heróis da fé" essa demanda seja no geral mais negativa do que positiva. Isso porque cada um de nós pode querer ser um desses protagonistas heróicos, e reproduzir assim uma busca sem fim de modelos de dependência dos líderes fortes.

Se acho que não há qualquer problema nessa busca, talvez eu deva me lembrar da sábia lição de Richard Foster, no excelente "Dinheiro, Sexo e Poder", quando dizia que o perigo não são as críticas (abertas ou sussurradas às escondidas), mas sim os elogios que venhamos a receber. Por quê? É que a principal tentação quanto aos elogios ou bajulações que recebemos, dizia Foster, é que podemos acabar acreditando no que ouvimos acerca de nós mesmos.

Daí encontrar um WC onde pessoas falam mal de mim (ou de outros!), sem dó nem piedade, pode até ser uma bênção celestial que o Senhor me envia para minha salvação. Será a santa decepção que Bonhoeffer diz que devemos ter na comunidade, uns com os outros, essa que nos permitirá que recibamos melhor a graça de Deus em nossas vidas, e que fará com que sejamos melhores portadores dela a nossos companheiros de missão, quer concordemos muito ou pouco com eles.

Vejam a ironia, já vou citando meus próprios heróis. Também preciso de conversão! Buscarei o banheiro de um próximo congresso. Pensando bem, melhor não. Espero que em uma próxima conferência esse espaço também seja um lugar de paz. Afinal, quem não gosta de sossego numa hora dessas?

Foto: ©
WC
Upload feito originalmente por
dusan.smolnikar

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