17 dezembro 2007

Gritando a verdade da sacada



José e Mané são bons amigos. Entendem-se em quase tudo. Quase… Um dos pontos em que não entram em acordo é acerca da perspectiva com que cada um deve viver sua fé.

Nessa amizade de longa data, os dois leram o Prefacio a una Teologia Cristiana, de Juan Mackay. Livro antigo, edição de 1946, mas muito atual em seus temas. Nessa exploração em conjunto, Mané quis explicar a seu amigo que não achou tão ruim assim a perspectiva da sacada, que viu descrita lá no livro.

Grosso modo, esse estado de ânimo da sacada foi identificado por Mackay como uma glorificação do conhecimento religioso às custas da ação moral. Seus partidários não se interessariam muito pelas pessoas, ainda que gastassem tempo refletindo acerca dos problemas que elas enfrentam. De modo geral, são mais teóricos, reflexivos, talvez mais preocupados com os problemas teológicos da cegueira do que com a expressão concreta da compaixão na ação de ajudar a um cego.

Nas palavras do autor do Prefacio: “Sua principal diversão consiste em classificar e rotular tipos humanos, com tanto zelo e deleite, e, devemos dizer, com tão bom êxito também, como os que caracterizavam os esforços dos prisioneiros da caverna, na famosa alegoria de Platão. O espectador desde sua sacada se orgulha de conhecer a identidade, os segredos mais íntimos e o destino final de todo transeunte que passa lá embaixo pela rua”.

Mas ouçamos o Mané em sua defesa. Ele acredita que a tal posição estereotipada da sacada talvez não seja algo assim tão negativo. Ele crê que é preciso refletir bem antes de qualquer ação. Que é preciso fazer a lição de casa, estar apto e bem preparado quanto à todo vento de doutrina e ideologia, para que não seja levianamente soprado para qualquer lado. O Paulo das Escrituras já havia usado argumentos parecidos e isso deixou o José pensativo.

Para o Mané, importa antes definir os parâmetros da pureza doutrinária de onde um se define a si mesmo e de onde pautará sua ação. Tudo bem que por “pureza” ele muitas vezes quer dizer a concordância com todos os matizes de sua corrente teológica de preferência. E antes que eu me esqueça, para nosso amigo Mané não existe isso de preferências ou ênfases quanto à teologia. Há a equivocada e a correta. Essa última, comumente, a sua própria.

O problema de José é um certo hermetismo que percebe em seu fiel amigo. Ele sente que os tais critérios ortodoxos muitas vezes o encerram em uma torre de marfim. São usados para definir parcerias, financiamentos, convites de trabalho ou mesmo para participar de uma singela conferência. Enfim, parece que o zelo de seu estimado Mané não o deixa ouvir, crescer e aprofundar sua fé, tanto em ortodoxia como em prática.

É preciso dizer que José elogia a coerência do Mané. Admira suas convicções, integridade e zelo. Pensa que é até fácil lançar pedras no seu companheiro, ainda que ele mesmo não o faça. Seguem sendo bons amigos.

Também é verdade que José pensa um pouco diferente. Acredita na perspectiva do Caminho, contrária à do mano Mané. Mas tomemos assento por agora e esperemos (na sacada?), que esse é um assunto para a próxima.

Foto: © Cecilia Brum - balcones -
Upload feito originalmente por Cecilia Brum

Nenhum comentário: