19 dezembro 2007

O caminho do peregrino



“Eles foram conhecidos como os do Caminho”. Foi assim que José iniciou a apaixonada defesa de sua maneira de entender e viver sua fé, fazendo referência a como os primeiros cristãos da história eram chamados.

Depois de ouvir atentamente o que o mano Mané lhe disse sobre sua perspectiva de vida desde a sacada, José o alertou que já ia ficando tarde para sua caminhada matinal.

Saíram, e enquanto caminhavam, as palavras foram chegando, à medida em que o fôlego lhes convidava para a conversa.

José acredita nessa perspectiva de fé e da vida que é construída no caminho. Ele se explicou mais ou menos assim, “não nascemos sabendo, e nem apreendemos o sentido da vida e do universo em um estalo”. Seguiu, “são nas lutas que um passa, nas idas e vindas, no êxtase da Revelação mas também na limitação da compreensão humana caída, que vamos conformando quem somos e em que acreditamos.”

Já dissemos aqui que foi a partir da leitura de um livro do Juan Mackay que o José e o Mané começaram a dialogar, entender suas próprias diferenças, o que os separava, mas também, de um certo modo, o que os unia.

Foi o Juan quem lhes disse, acerca dessa perspectiva do Caminho, que “o descobrimento da verdade espiritual se obtém com a condição de adotar em sua vida certa atitude que é inteiramente incompatível com um modo puramente teórico da existência. A verdade se encontra no Caminho. Ainda poderia ser dito que apenas no momento em que se desce da Sacada para o Caminho, seja por sua própria e livre vontade, seja porque circunstâncias providenciais o arrancaram dali, é quando então se começa a conhecer o que é a realidade".*

Sob o olhar de suspeita de seu amigo, José acrescentou “para ser do Caminho não é necessário deixar seu bairro, sua cidade ou país. Sair pelo mundo não é garantia alguma de ganhar essa perspectiva. Essa tem mais a ver com um estado de ânimo, uma disposição para ver, ouvir, aprender, correr riscos, engajar-se e assumir os custos que sua visão de mundo e sua fé lhe vão demandando”.

Os últimos passos até o prédio do Mané foram em silêncio. Um abraço apertado, e depois a solidão do elevador até o piso de sua torre de refúgio. Daí esgueirou-se pela sacada bem em tempo de ver ao longe o José se afastando também só pela calçada, nessa manhã algo fria e enevoada. “Por ora falta a coragem de sair daqui, mano. De qualquer modo, obrigado. Oro para que você não se perca nas muitas trilhas e caminhos. Quem sabe ainda chegará o dia em que eu me torne também um peregrino”.

* Prefacio a la Teologia Cristiana, Juan Mackay, La Aurora, 1946, p. 47.


Foto: © adrian campfield
, Promise of a new Day
Upload feito originalmente por adrians_art

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