11 fevereiro 2008

Fugindo do Deus que tudo vê



Mais de 100.000 indígenas vivendo em forma organizada, pacífica e produtiva. Uma fantástica experiência catequética, social e política. Trinta e três verdadeiras cidades que serviram como um freio ao expansionismo português no continente sul-americano.

Uma das causas do sucesso das missões ou reduções jesuíticas dos séculos XVII e XVIII teria sido a maneira como se respeitou em grande medida o modo comunitário de viver, organizar-se e produzir dos índios guaranis. Por outro lado, a empreitada missionária combateu suas crenças religiosas, sua poligamia e sua antropofagia ritual.

Sobre essa última, deve-se dizer que diferia do canibalismo, comum em outros grupos. Para os guaranis, tratava-se de um rito em que, ao alimentar-se de seu inimigo derrotado, adquiria-se seu espírito e sua força.

Os missionários jesuítas tiveram algumas dificuldades na banda oriental do rio Uruguai, em território que hoje faz parte do formoso país onde vivo. E elas não tiveram relação com o suposto perigo de tornarem-se eles mesmos especiarias da culinária indígena.

Conta-se que, ao tentar reunir os yaros (um dos povos nominados como os indígenas charrúas, célebres antepassados dos uruguaios), em mais uma de suas reduções, passou-se o seguinte.

Líderes do grupo disseram que queriam deixar o povoado, e voltar ao seu modo de vida, digamos, mais primitivo. O padre então lhes perguntou a razão, se era porque lhes faltava algo, se estavam infelizes, se desejavam alguma comodidade mais, enfim, o que poderia oferecer-lhes.

Eles então responderam que estavam bem, que tinham tudo o que precisavam. Mesmo assim, queriam ir embora, porque “lhes pregavam que o Deus dos cristãos sabe tanto que nada ignora, e é tão Imenso que em todo lugar está, olhando a tudo o que acontece; que eles não queriam um Deus que visse tanto”.1

O Deus que tudo vê afugentou os yaros. Voltaram às sombras dos bosques.

Fico pensando no que os incomodou. O que lhes foi anunciado e o que foi que entenderam? E é verdade que essas duas coisas, anúncio e entendimento, são bem entrelaçadas.

Como é que eu olho de volta ao Deus que tudo vê? Hagar, a escrava desamparada do Antigo Testamento, encontrou consolo no “Deus que vive e que me vê”.

Consolo naquele que me vê? Ou fuga diante dos olhos que me esquadrinham?

Pagaria bastante naquele último modelo de máquina do tempo para voltar e saber melhor o que se passou com os yaros. Olharia de longe, não me intrometeria. Além do mais, sou apenas um curioso, e não o Deus que tudo vê.

1 Em: Diego Bracco: Charrúas, Guenoas y Guaraníes. Interacción y destrucción indígenas em el Río de la Plata, pág. 375; citado em Historia y Geografía del Uruguay, Santillana, 2007, pág. 21.

Foto: ©
Upload feito originalmente por Omar Junior

2 comentários:

Jake disse...

Ricardo Wesley, me costó leerlo en portugués pero me esforcé y lo entendí.
está muuy interesante tu post.
una película para ver: LA MISSIÓN (the mission)
una pregunta:
puedo linkear tu blog al mío?
signo

Unknown disse...

hola Jake,
me alegro mucho por ganar una lectora más allá de las dificultades con la lengua. ¡gracias por el privilegio!
por supuesto que será un honor tener un link en el signodepregunta hacia el blog de su servidor.
abrazos