20 fevereiro 2008

A Bússola de Ouro de Philip Pullman

Alethiometer (#202 of 365)

“Não necessitamos de listas do que é correto e do que é errôneo. O que necessitamos são livros, tempo e silêncio”1. Com essas palavras, Philip Pullman recebeu um dos muitos prêmios de sua estelar trajetória literária.

Confesso que sou um fã do gênero, e vou devorando ansioso o segundo título da trilogia Fronteiras do Universo, desse autor britânico de literatura fantástica que não esconde seu desejo de fazer um contraponto às crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis.

Pullman crê que a obra de Lewis é “moralmente desprezível”, e “uma das coisas mais desagradáveis e venenosas que já li”. “Nárnia”, disse, “é [a obra] cristã... e a minha é a não cristã”2.

Eu, que sou um fã declarado das obras de Lewis, reconheço que a obra de Pullman é inteligente, engenhosa, e de prazerosa leitura. Já no filme, como é comum em adaptações à tela grande, se assiste a uma narrativa confusa, que perde a sutileza e a complexidade dos interessantes personagens e seus companheiros dimons. Esses últimos, uma interessante sacada do autor para revelar os sentimentos e as intimidades da alma de cada ser humano.

A Igreja Católica repreende o autor, o livro e o filme, por promoverem o ateísmo em seu público-alvo adolescente. Que isso esteja na agenda de Pullman talvez seja difícil de negar. Recentemente ele co-produziu, junto com Michael Rosen, o documentário Why Atheism (Por que o ateísmo?), promovido como “um curso de ateísmo para crianças de 11 anos”. 3

Quanto à história narrada na trilogia, posso mencionar, sem revelar mais do que o devido, que se trata de uma apologia da autonomia humana diante da suposta autoridade divina e da Igreja, que buscam sufocar a todo custo a gloriosa liberdade que deveria gozar a humanidade.

Suficiente para evitar a leitura dos livros? Ou para deixar de ver o frustrante filme que, apesar dos excelentes atores (Daniel Craig, Nicole Kidman e Dakota Blue Richards), inverte momentos importantes da narrativa e é muito mais superficial do que o enredo original?

O senhor Pullman pode ter suas motivações, como Lewis tinha as dele. Cada um de nós tem as suas, nobres ou nem tanto. Mas o autor de A Bússola de Ouro tinha razão ao dizer que precisamos de “livros, tempo e silêncio”.

Livros bem escritos podem nos ajudar na tarefa de fazermos boas perguntas. É claro que as respostas que sugerem poderão ser equivocadas. Seria arrogância e uma sutil ironia ambicionar que trouxessem “a verdade”.

O tempo e o silêncio poderão nos ajudar a reconhecer as críticas saudáveis, suas concepções às vezes injustas, mas o processo no final será muito mais produtivo do que uma censura ou a ausência no debate público.

É aí, na esfera pública, onde o evangelho deve ser anunciado e vivido, onde qualquer alegação de verdade pode ser testada, provada, melhor examinada, compreendida, e existencialmente abraçada.

O senhor Philip já se apresentou. E você, está disposto à aventura desse debate? Se sim, boa leitura!

1 Discurso ao receber o prêmio Carnegie Medal. Informação contida na orelha da edição em espanhol de “A Faca Sutil”, segundo livro da trilogia
2 Entrevista a Hanna Rosin de Atlantic Monthly, citado em The Golden Compass - A Briefing for Concerned Christians, R. Albert Mohler, Jr, www.reasons.org.
3 Citado em El País, Montevidéu, 9 de dezembro de 2007.

Foto: ©
Alethiometer (#202 of 365),
upload feito originalmente por Krelic.

Veja esse pequeno vídeo (em inglês), com clipes do filme e uma breve, mas interessante discussão sobre como essa obra retrata a Igreja e o tema da verdade:


Nenhum comentário: