16 outubro 2007

"Você não é mais inteligente do que eu!"

Era uma vendinha dessas de bairro. Mal entrei e meu sotaque me denunciou. O velho senhor, dono da loja, me perguntou “de que parte do Brasil você é?”. E o fez em um Português claro, sem sotaque.

Ele havia morado no Rio quando pequeno, no fim dos anos 40 e começo dos anos 50. Sim, você imaginou certo, ele estava lá, no Maracanaço. Para quem tem pouca cultura futebolística, explico que a coisa tem a ver com 200 mil brasileiros em certo estádio carioca, experimentando uma enorme, inexplicável frustração, enquanto 11 uruguaios, inclusive aquele cuja pronúncia traz calafrios (Ghiggia…), recebiam a taça da copa de 50. Jules Rimet, o francês organizador da copa que lhes entregou o prêmio, chegou a dizer “O silêncio era absoluto, às vezes difícil de acreditar”.

Voltando à vendinha. Conversa vai, conversa vem, começamos a falar sobre a violência, grande no Brasil, muito menor no Uruguai. Daí o senhor levantou um dedo e me disse “Ojo!” (como um bom uruguaio lhe diz “preste atenção”). “O problema da insegurança é culpa minha e sua!”. Me disse quase em tom de ameaça e pousou sua mão em minha barriga. Eu quis comentar algo sobre injustiças, quando ele me interrompeu “Você não é mais inteligente do que eu! Só porque você é engenheiro não quer dizer que você deva ganhar mais do que eu ganho.” E voltou a botar a mão na minha pança (seria ela a prova da desigualdade social?...).

Desconcertado, calei. Ele seguiu, “dizem que sou comunista, e não sou”. “Mas têm coisas no mundo que não estão certas”. Daí seguimos uma agradável conversação sobre política, o atual governo do Uruguai (o primeiro considerado de esquerda na história do país), sobre como ele uma vez havia dito ao médico de seus filhos que o doutor se tornaria um dia o presidente da república (de fato, Dr. Tabaré Vásquez acabou chegando lá e é o primeiro presidente supostamente de esquerda na história do país).

Para se conectar de verdade em outra cultura, você precisa conhecê-la, do futebol à política, da religião à história, buscando bons professores, como os taxistas e os velhos desejosos de contar suas histórias.

Além desses bons professores, arranjei uns outros, bons livros de autores uruguaios, sociólogos e historiadores, novelistas e poetas. Aos poucos (eu, no caso, vou apenas arranhando a superfície) vou conhecendo as peculiaridades e idiossincrasias desse “hermoso” país.

Política e futebol se discutem sim. Um estrangeiro pode aprender muito desse tipo de conversa.

Ah, e aquela mão tocando minha protuberância abdominal? Tenho uma teoria acerca da construção de pontes de comunicação. Ainda a testarei um dia.

(Foto: © Diego Zalduondo)

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