05 janeiro 2009

O livro do ano



A história me interessava já há um tempo. Creio que o interesse cresceu depois de haver conhecido a Roberto Canessa, o médico cardiologista infantil que realizou a façanha, junto a seu amigo Nando Parrado, da expedição final que levou 10 dias para escapar da tumba dos Andes.

Ganhei o livro “La Sociedad de La Nieve”, recém-publicado, em que pela primeira vez aparece o testemunho de todos os 16 sobreviventes, 36 anos depois do acidente, entremeados com o emocionante relato dos acontecimentos, feito pelo escritor e jornalista Pablo Vierci. Pablo, o narrador, também foi um amigo de infância dos protagonistas do livro.

E de amizades parece falar esse livro que me transbordou. De certo modo, isso parece uma ironia e um paradoxo. As reações mais comuns, como as que sucederam em especial nos momentos logo após o resgate, parecem ser as de assombro pelo fato de que sobreviveram por haverem comido os corpos de seus companheiros que não resistiram à tragédia.

Mas de alguma maneira, os vínculos que se criaram entre eles, inclusive com a memória dos amigos e com alguns parentes dos falecidos, foi o que mais impacto me causou. Lá em cima, em meio à desesperança, sofrimento e morte, brotavam os sentimentos e, principalmente, as atitudes mais sublimes de cuidado com o mais frágil, de sacrifício e de doação.

Terminei de ler o livro hoje, lembrando-me do saudoso Dr. Ross Alan Douglas, pioneiro da ABU no Brasil e dono da mais vasta biblioteca pessoal que já conheci. Em meio a uma daquelas reuniões de diretoria que já começavam a entediar-lo, ele abria um livro e começava a folhear-lo sem cerimônias.

Os outros 9 ou 10 presentes faziam que nem notavam e respeitavam a “liberdade acadêmica” de nosso saudoso mestre. Numa dessas ocasiões, ainda em meio a uma discussão orçamentária, ele com prazer a ignorou e mostrou-me um interessante livro que lia sobre epistemologia, ciência e fé.

Já que tinha o aval do doutor, embarquei na conversa e em algum momento lhe perguntei se já havia terminado de ler o livro. Ele me fitou debaixo de suas grossas lentes, confessou que raras vezes lia um livro até seu final e tremeu seu corpanzil em uma gostosa risada.

Entre decepcionado e cético com o mito que eu havia construído, ouvia então sua convincente explicação de que poucos livros mereciam ser lidos por inteiro.

Ironicamente comecei a ler o “La Sociedad de La Nieve” em uma viagem de avião. Nas sete horas que separam Montevidéu do Panamá, fui algumas vezes obrigado a interromper a leitura. Lágrimas insistentes não me permitiam seguir. Na verdade, não sabia bem o porquê de minha reação.

Só agora, chegando à última página desse fabuloso relato, venho a entender melhor o que eu processava. Isso se deu quando cheguei, no final do livro, ao registro de uma reunião na casa de Canessa, essa que tive o privilégio de conhecer. E aqui me reservo a não dar mais detalhes. Se você se animar, leia. Pode ser que siga sem me entender. Tudo bem. Talvez essa seja uma cordilheira que você mesmo terá que atravessar, do seu jeito, e se você quiser.

Obrigado, caro Dr. Douglas. Esse é um daqueles livros, com certeza.


Foto: © Realtà Sottili
Upload feito originalmente por
BeneToZi

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