“Fulano é um amor de pessoa!”. Ao lado, a esposa do indivíduo reage com olhar de surpresa e um risinho contido. Uma cena comum, talvez fruto da confusão entre intimidade e grosseria a que uma vez referiu-se C. S. Lewis. Funciona mais ou menos assim. Para dentro de casa, na família, falo o que penso e do jeito que quero. E ainda defendo essa “liberdade” como um sinal de intimidade. Para os de fora, a gentileza e amabilidade acima de qualquer suspeita.
Ampliemos a metáfora para pensar um pouco sobre o que acontece dentro e fora da Igreja. Para esse exercício, podemos pensar tanto na realidade ampla da Igreja maior, visível e invisível, como na comezinha vida de uma comunidade eclesiástica, grande ou pequena, à qual você ou eu nos conectamos.
Tenho a impressão de que muitas vezes nos especializamos e nos esforçamos em ser bons profetas “para dentro” de nossas comunidades e não tanto profetas “para fora”, para a sociedade maior onde vivemos.
Pense um pouco sobre o conceito de profeta. Aquele que é capaz de “ler os sinais dos tempos”. Ou seja, ler a realidade a seu redor, com senso crítico, discernindo os acontecimentos de seu tempo, buscando entender porque vivemos assim, o que está oculto e não revelado ou para onde vamos se seguimos nesse caminho. Hábil para entender para que opções e padrões nos dirigimos, tanto nas relações interpessoais, como nos modelos de famílias ou nas sociedades que construímos, como nas nações que modelamos ou ainda nas relações que estabelecemos entre elas no mundo de hoje.
Então o profeta é aquele capaz de “denunciar” e “anunciar”. Denuncia o mal e a injustiça, para anunciar o juízo e a misericórdia, as conseqüências que levam à morte, mas também as promessas de esperança e de vida.
Creio que, no exercício de nossos dons como profetas, agimos muito mais “para dentro” de nossas comunidades eclesiásticas do que “para fora”. Somos bons, especialmente em certos círculos, em criticar os equívocos e desvios da Igreja. Obviamente que esse é um exercício sumamente necessário. Ainda assim, pergunto-me se nossos olhos andam atentos e se nossa voz também se levanta firme quando se trata de questionar o estabelecido e amplamente aceito no mundo e sistemas em que vivemos. Falo de sistemas econômicos, políticos, como também de sistemas morais e sociais em que vejo pouca contribuição e coragem (incluindo a mim mesmo) para levantar a voz a favor do bem e da justiça.
Por que somos bons ao criticar e denunciar “para dentro” e pouco efetivos ou corajosos para fazer isso “para fora”? Uma possível explicação seria a de que a mentalidade “do mundo” (entendido como um sistema perverso e vil que escraviza as pessoas) também se encontra facilmente dentro das paredes da Igreja. Mas essa é somente parte da explicação e tema para outra reflexão, que por si só demanda seriedade e profundidade.
Por agora arrisco-me a tentar outra explicação. Não conhecemos o mundo em que vivemos. Não sabemos ler bem nossa realidade. Assim, não temos como discernir o que deve ser “denunciado”, nem o que deve ser “anunciado” (e esse acontece também porque pouco sabemos acerca do que consiste nossa fé).
Falta-nos leitura, falta-nos senso crítico, assim como uma firme disposição e as ferramentas adequadas para ler os sinais de nossos tempos. Também nos falta a “intimidade” que a esposa do Fulano tinha para rir acerca do olhar ingênuo e externo acerca de seu nobre esposo.
Também nos falta agora o espaço para seguir explorando essas causas. Prometo então seguir o assunto em outro artigo. Creia em mim, sou bom em promessas! Tudo bem, já sei o que você irá fazer: buscará ver no cantinho da boca de minha esposa se há o esboço de alguma risadinha. Pode fazer isso, nem me importo. Vá exercitando sua habilidade de tentar “ler” bem a realidade e a verdade por detrás das palavras! Vemo-nos na seqüência do tema, é claro, se eu cumprir a promessa...
Foto: © Hülya Bayrak
6 comentários:
Obrigado pela visita, lá pelo DoxaBrasil.
Será que nos conhecemos no período de ABU? Eu era do Mackenzie, da turma da Tais Machado, Daniela, Martha Elisa, depois Paula Canelhas, etc. Já faz um bom tempo.
De qualquer forma, parabéns pelo seu blog, já listei na minha blogosfera.
Um grande abraço e... Volte sempre!
Aliás, acabei esquecendo de escrever o que efetivamente ia opinar...
Acho que a onda do politicamente correto, somado a "facilidade" de virar "crente" (em contraponto ao discernimento de se tornar cristão), fazem com que fiquemos quietos nos nossos cantos, percamos a capacidade de crítica (inclusive a auto-crítica) e nos fechemos em mundinhos que parecem desconectados do que acontece à nossa volta.
A igreja, como instituição, muitas vezes não exerce sua missão profética porque é formada por "cristãos" que não soltam sua voz profética.
O assunto é amplo, o debate polêmico, mas é preciso soltar a voz!
Abraço!
Beleza, Fábio!
Creio que a gente deve ter se cruzado por lá em alguma ocasião.
Conheci o Doxa hoje e achei muito bacana. Voltarei com certeza!
Valeu pela sua contribuição (cheia de razão!) nesse tema sobre ser profeta.
Abraço forte e nos vemos, ao menos virtualmente...
Ops! Você é rápido na leitura, hein? Não deu tempo de eu acrescentar um convite para você conhecer também minhas outras duas produções:
- Confraria Ekklesial
- Zona da Reforma
Quem sabe nos encontramos por aí. Estive em Montevideo por volta de 1995, se não me engano, em um trabalho missionário. Foi uma experiência muito gratificante.
Abraço!
saludos Rcardo...que bueno el paper de cada post.
más allá del tiempo y el espacio, esto que decís:
"Tenho a impressão de que muitas vezes nos especializamos e nos esforçamos em ser bons profetas “para dentro”de nossas comunidades e não tantoprofetas “para fora”para a sociedade maior onde vivemos."
es tan cierto.
abrazos desde el otro lado humeante del río....
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