16 janeiro 2008

Para além de Lausanne



(Pacto de Lausanne – Parte 7 - Final)*

É claro que há uma influência que ultrapassa o âmbito dos participantes dos congressos e eventos que podemos citar, que certamente é mais difícil de mensurar. Ela ocorre nas esferas do discipulado pessoal, da formação de opinião, da pregação, da práxis renovada da igreja onde, sem que haja referências explícitas a pactos ou documentos, eles estão de alguma maneira ou de outra na fonte da abordagem, da reflexão e da definição de nossa atuação missionária.

Assim, creio ser muito importante a formulação de documentos de referência para a identidade e vivência missionária da igreja sem que, contudo, na prática, eles necessariamente tenham que ‘aparecer’.

Recentemente, ao ler um documento assinado pelos participantes de um evento de conscientização missionária voltado para a juventude paulistana, surpreendi-me ao ver uma referência ao Pacto de Lausanne em seu texto.

Perguntei a um dos organizadores do evento se os participantes mais jovens conheciam o referido pacto, ao que ele me respondeu que provavelmente não, mas que os ‘mais antigos’ haviam sugerido a inclusão de sua menção.

E era só observar na agenda e proposta do evento para perceber que o ‘espírito de Lausanne’ estava mesmo lá. É assim, creio eu, que novas gerações podem ser não apenas ‘reproduzidas’, mas também desafiadas a aprofundar seus questionamentos para, à luz da Palavra de Deus, responder aos desafios de sua época de maneira criativa e obediente ao Senhor.

Há uma agenda de desafios diante da igreja evangélica brasileira, e possivelmente esse “espírito de Lausanne” possa contribuir com as respostas que daremos aos dilemas que temos adiante.

A partir do que refletimos aqui e das histórias com que procurei ilustrar alguns pontos, cito alguns desses desafios, numa lista ainda incompleta, mas que espero possa servir para nos dar um empurrão inicial nessa agenda de reflexão e ação:

• É preciso recuperar a unidade da igreja na prática de nossa missão, ultrapassando nossas estreitas fronteiras denominacionais, deixando de lado interesses particulares e pessoais de projeção e poder, e mesmo deixando de enfatizar tanto nossas diferenças de método ou outras, que às vezes chamamos de “doutrinárias”, mas que, na verdade, escondem nossas agendas e ambições. (Alegro-me ao lembrar-me do pastor presbiteriano que encaminhou meu tio-avô, Aclíneo, para a igreja metodista a qual veio a acolher toda a minha família na região de Olímpia);

• Devemos aprofundar nosso conceito de missão integral, passando do discurso para a vivência, colocando a “mão na massa”, atuando e intervindo de maneira ousada e criativa diante das oportunidades e das imensas janelas de necessidade que se vislumbram em uma realidade tão problemática e carente como a nossa. Só poderemos falar de um avivamento no Brasil quando percebermos que questões espinhosas de nosso país como o tráfico de drogas, a corrupção, o abuso e exploração de crianças, entre outras, tiverem sido radicalmente mudadas a partir da atuação da igreja de Cristo;

• É preciso assumir os riscos desse envolvimento. Se continuarmos fugindo apontando para os perigos do paternalismo, da cooptação ideológica, escondidos em nossos complexos de inferioridade ou ensoberbecidos em nossa arrogância auto-centrada, não faremos jus à importância da tarefa que o Senhor Jesus deixou para a sua igreja;

• Para evitar os desvios que nos levam para longe de Deus e de sua vontade, urge resgatar uma prática de leitura e interpretação da Palavra que é, ao mesmo tempo, apaixonada, comprometida, comunitária, fiel ao seu ensino todo, que nos conduz a uma devoção mais íntima ao Senhor e que nos leva inexoravelmente à obediência;

• Devemos resgatar o caráter profético de nossa missão (denunciando todas as formas de mal e anunciando a justiça de Deus), assim como recuperar a dimensão de encarnação e serviço mostradas a nós por Jesus, que apontou ser esse o paradigma que ele deseja quando nos envia ao mundo (Jo. 17:18; 20:21).

• Não permitir que haja um retrocesso em nossa práxis missionária, voltando a uma falsa dicotomia entre a proclamação pessoal do evangelho (expressa em um estilo de vida que leva muito a sério a dimensão da evangelização pessoal) e o resgate e cuidado do ser humano em todas as suas necessidades (expressos em um estilo de missão marcado pela compaixão e pelo engajamento).

Esses, creio eu, são alguns dos desafios que novas gerações terão em nosso país. Aprender a ouvir melhor os clamores e as necessidades de nosso povo, elaborando uma teologia bíblica, saudável e radical, no sentido de não se omitir diante da complexa agenda de responsabilidade e de inserção em nossa sociedade, apontando então para a ação redentora de nosso Senhor em nosso meio.

Que o Senhor, pelo poder do seu Espírito, nos modele e nos capacite a sermos suas testemunhas em nosso tempo.

Aumenta o meu senso de responsabilidade lembrar-me que foi mesmo uma pena o velho Joaquim não ter sido alcançado a tempo por esse amor de Deus. Amor esse que se expressa no concreto da vida e no engajamento suado de nosso compromisso e obediência.

* parte 7 e final da reprodução do prefácio que escrevi para a série Lausanne 30 anos, volume 1, John Stott comenta o pacto de Lausanne, ABU e Visão Mundial, 2003.

Foto: © Cecilia Brum -
- (urban characters) "bus 76" -
Upload feito originalmente por Cecilia Brum

Um comentário:

Lauberti Marcondes disse...

Eu tenho a versão antiga, apesar de ser da geração nova. A série estava escondida na biblioteca do meu pastor que me emprestou quando comecei a fazer especialização em Missão Integral no Betel Brasileiro de São Paulo. Ainda não consigo entender este hiato. Só depois de começar a estudar e pesquisar que "ouço" a respeito do "espirito de lausanne". Acho que o Ed Rene Kivitz tem realmente razão, em dizer que o movimento neo-pentecostal engoliu a missão integral. Se bem que com Caio Fábio, a gente pareceia ouvir algo, mas foi silenciado. Será que agora, os novos ventos serão mais fortes?

Abraços

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