“Você é conservador?” Foi assim, na lata, que um aluno procurou arrancar de mim uma confissão. Voltávamos juntos no ônibus, depois daquela primeira aula. Uma vez que recém havíamos nos conhecido, quis sondar em que “time” eu jogava.
“Bem, depende do quê você está falando e do que você entende por essa palavra”, lhe devolvi em meio a um sorriso quase dissimulado.
Nesse dia voltei a pensar em nossa necessidade de definir de antemão quem são nossos interlocutores. Sobre esse desejo de conhecer de onde falam, a que tribo pertencem, e assim supostamente preparar-me para melhor escutá-los. Na verdade, para alguns, essa inclusive é a senha para escolher a quem eu dedicarei, ou não, meu precioso tempo.
Se já consigo adivinhar ou enquadrar a fulana em algum grupo, e se essa linha de pensamento em particular não me atrai, se me desgosta, então não a ouço, não a leio, ou ainda o faço mas com o objetivo de refutar-la desde minha cômoda e confortável posição já bem definida.
Outro dia tive uma grata surpresa ao ler um artigo de um excelente historiador uruguaio, Lincoln Maiztegui Casas. Tenho admirado a qualidade e o rigor de seus escritos, que vêm me apresentando uma faceta interessante da história política do Uruguai. Escreve bem, além de desfilar sua integridade intelectual.
Essa última foi mais uma vez atestada outro dia quando ele, que é rotulado como um autor mais à direita no espectro político, digamos que um “conservador”, nos regalou um breve e interessante artigo sobre a queda de um de seus “ídolos” (La irresistible caída de Paul Johnson) .
Ao revelar sua admiração pelo historiador britânico, mostrou-nos como ler bem e criticamente. Ao fazê-lo nos confessou sua descoberta. Seu herói veio ao chão. Não dava mais para tragar os equívocos ou os preconceitos desvelados por uma cuidadosa leitura. Bem-vinda lição de que a simpatia ou adesão a uma ideologia não devem quitar nosso juízo crítico.
Se me contento apenas com a primeira impressão, ou se aceito qualquer coisa apenas pela imagem e pelo nome de quem veio a opinião, caio em armadilhas causadas pela preguiça intelectual.
Então os rótulos são assim. Evitam que eu “leia” bem a vida e os aportes que o outro tem para me oferecer, para me desafiar. Por isso tenho que encontrar-me com aquilo que me incomoda, que me tira de minha posição cômoda, que me faz pensar e amadurecer naquilo que sou e em que creio.
Meu aluno ficou sem resposta. Por uma desventura, ou para minha felicidade, meu destino chegou logo depois daquela capciosa pergunta. Melhor assim. Através de seus olhos e de sua “leitura”, mais do que ele espero ganhar eu novas percepções de minha própria identidade, crescendo e amadurecendo, como na vida deve ser.
Foto: © Paris, 26/04/2008.
Upload feito originalmente por DPC★313
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