Não sou economista, nem adivinho o futuro, mas confesso que gostaria de viver em um mundo melhor, para mim, para minhas filhas, e para os outros bilhões de pessoas como a gente que dividem a vida nesse planeta.
Também confesso que fico encasquetado com os mitos e dogmas em volta da deusa que comanda tudo ao redor nosso, e que parece ditar se meu desejo pode ou não tornar-se realidade: a poderosa deusa Economia.
Foi assim, entre desencantado e incrédulo que li a notícia da euforia (possivelmente passageira) que tomou hoje o mundo financeiro com os dados que apontam uma retomada do consumo entre cidadãos norte-americanos.
A lógica é bastante simples. Ou pelo menos parece ser. Com mais consumo (vida breve aos poupadores!), mais demanda de produtos, mais emprego para todos (bem, na verdade não todos, porque, segundo a tal deusa, é adequado ao sistema que haja um percentual da força de trabalho assim, digamos, fora do sistema, mas vendendo sua alma para entrar...).
A riqueza produzida cresce e todos ficam felizes. É claro que há um grupo seleto que fica mais contente, aqueles que conseguem receber e concentrar parte substancial dessa riqueza. Alguns até poderiam argumentar que mesmo o historiador marxista Hobsbawm já reconheceu algumas benesses da ideologia do neoliberalismo de mercado livre:
“Seu objetivo não era abolir a pobreza, ou redistribuir recursos e gerar justiça social; ainda assim, apesar de tantas injustiças como existem, até os pobres viram sua situação melhorar, ao ponto de aceitar o atual estado das coisas.”1 (ou seja, em uma humilde paráfrase: mais qualidade de vida para todos não necessariamente rima com justiça social).
O que ainda fico pensando é se devemos aceitar, entre tantos mitos que os profetas da deusa nos pregam todos os dias, que consumir desenfreadamente seria a solução. Ou se faz algum sentido desejar que os PIBs de cada nação do planeta continuem a crescer indefinidamente, em um ritmo insano de ganância e de expropriação do mundo em que vivemos.
Uma sugestão: leia a entrevista que saiu já há um tempo na que é a melhor revista que apareceu nos últimos tempos (Vida Simples). O entrevistado é o economista e filósofo francês Serge Latouche, falando sobre decrescimento sustentável. Pode soar loucura, idealista e não factível, mas me pergunto se as verdades mais sanas do mundo, como as do evangelho de Jesus, não parecem exatamente ser feitas desse mesmo componente tão utópico, mas tão profundamente real e necessário.
Também veja e compartilhe um manual bem interessante que orienta acerca de estilos de vidas saudáveis, baseados em padrões de consumo sustentáveis.2
Pode ser pouco, pode ser pequeno, mas já imaginou se muita gente começa a pensar e a agir diferente?
1 Entrevista sobre el siglo XXI, Eric J. Hobsbawm, Biblioteca de Bolsillo, Crítica, 2004, p. 110.
2 Agradeço a meu amigo Lissânder pela dica desse excelente material.
Foto: © Concentración
Upload feito originalmente por Pachakutik
2 comentários:
Ricardo, compartilho com você a perplexidade diante do consumismo desenfreado dos norte-americanos, e aí incluo também o Canadá. Embora haja sinais claros sobre a insustentabilidade do crescimento econômico e da loucura financeira do sistema, temos sido incapazes de arrancar-nos da roda-viva do consumo. Soluções estruturais e mudança de valores são ambas necessárias nesse caso. Obrigado por me apresentar às teses do "decrescimento sustentável". Cada dia me sinto mais visceralmente sacudido pela necessidade de conversão à um estilo de vida simples. Lamento que como igreja evangélica estejamos ainda distantes da compreensão de que temos que mudar o rumo da prosa, da prosperidade e da acomodação ao estilo de vida de classe média para uma transformação que coloque no centro o paradigma da igualdade, da justiça e do cuidado com a criação.
Abraço caloroso.
Olá querido Flávio,
Muito obrigado pela sua visita e comentário. Esse tema do chamado a um estilo de vida simples é apaixonante, e talvez por isso mesmo seja um tanto polêmico, algo que nos incomoda.
Como andam os estudos de pós-doutorado? O assunto me pareceu fascinante.
Receba um forte e saudoso abraço,
Ricardo
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