“Você precisa aprender a ser criança de novo!”. Não, não era um conselho acerca de como eu podia entrar no Reino dos Céus. Na verdade, a princípio soou estranho esse conselho de nosso amigo Paul Freston, em uma agradável visita que nos fez poucos meses antes de mudar-nos para o Uruguai. Na verdade, ele nos falava da disposição que precisávamos ter de aprender tudo de novo. Isso mesmo, tudo de novo, não apenas a língua. Tínhamos que aprender os códigos, os sinais pouco visíveis, muitas vezes não falados. Quando falados, nem sempre significando o que a gramática pura e simples nos dizia. E mesmo que pronunciados, como o seriam, em que momento, com que nuances, com que significados explícitos (para quem nasceu na cultura) e ocultos (para quem vem de fora e acha que já sabe o que cada coisa significa).
Mas quando se é um “missionário transcultural” (em outro momento refletirei sobre o que entendemos disso) não venho justamente para dizer qual é o caminho, a rota de salvação e sentido que todos buscamos? Sim e não. O que trago comigo, creio eu, é precioso, mas sempre vem no vaso de barro frágil e corrompido que sou. E quando a gente chega, Deus já chegou muito tempo antes, fazendo seu trabalho no meio das pessoas a quem iremos servir. Óbvio? Sim, mas a gente se esquece fácil.
Querer compartilhar algo tão especial, como o evangelho de Jesus, em uma nova cultura, significa ouvir, ouvir, e ouvir, antes de querer dizer qualquer coisa. Apenas entendendo onde as pessoas estão, quem são, suas riquezas, peculiaridades e, quem sabe, necessidades (quando as entenderemos completamente?) é que podemos começar a humilde tarefa de redescobrir o significado e a beleza do evangelho de Jesus nesse novo lugar, paras essas novas pessoas e cultura.
Confesso achar isso difícil, muito difícil. É de nossa natureza e sub-cultura evangélica que pensemos que já sabemos tudo. É quase como que sinônimo de “ter fé”. Ter uma atitude, por assim dizer, otimista, triunfalista, apontando o caminho para as pessoas. Não é fácil romper o padrão e buscar ser criança de verdade nesse processo. Nove meses depois de termos chegado aqui, podemos dizer que apenas estamos conseguindo dar nossos primeiros passinhos, inseguros, cambaleando.
Mas sabem de uma coisa? Nossa fé vai ficando mais leve, alegre, quem sabe mais madura, aprendendo a gozar cada momento, cada lição aprendida com nossos novos e queridos amigos uruguaios. A gente não veio aqui para ensinar algo? Ah, Jesus está nos ensinando a todos nesse processo, e é um privilégio muito grande ser parte desse mover em que Ele mesmo vai alcançando a cada pessoa. E daí somos testemunhas vacilantes e confiantes desse agir amoroso de Deus. Existe coisa melhor?
(Foto: © Lucas Belis)