12 fevereiro 2012

Carnaval: negar, “utilizar” ou ressignificar?

Escrevo do Uruguai, a terra do “carnaval mais longo do mundo”, com 40 dias de duração. Sim, desculpem-me Pernambuco, Bahia ou Rio, mas o carnaval também é uruguaio.

Aqui, como em outras partes do mundo, boa parte da igreja evangélica olha com reprovação as festividades em torno do carnaval, em crítica, negação ou simplesmente escape em direção aos seguros retiros espirituais.

É fácil perceber a tensão que existe no olhar da igreja evangélica a certas manifestações e celebrações culturais, como o carnaval e o Halloween, por exemplo, onde é possível encontrar referências cristãs (alguns diriam que diluídas ou distorcidas) em suas origens ou na evolução de sua história.

Também, de modo até surpreendente, há outras festas que geram uma rejeição por parte de certos grupos cristãos, seja ao Natal ou a versões da Páscoa. Argumenta-se sobre suas origens pagãs em um caso, ou a sobre a contaminação com elementos estranhos a fé no outro.

Possivelmente haja riscos ao levantar em tão pouco espaço perguntas sobre essas abordagens. Mas os questionamentos, ainda que sem as respostas, poderiam nos ajudar a pensar um pouco mais sobre o tema.

Apresento aqui três possíveis aproximações de cristãos evangélicos a certas manifestações culturais, seguidas de algumas questões para provocar a reflexão.

1.A negação – Seria a atitude de ver em certa expressão cultural somente seus aspectos negativos. Para muitos cristãos, no caso do carnaval esses estariam relacionados com a libertinagem da carne (numa condenação de todos os excessos que ocorrem nesses dias), para outros com as associações com poderes malignos invisíveis, ou ainda com essa autonomia humana rebelde, alegre e independente, que busca desprender-se de qualquer prestação de contas a um Deus criador.

Perguntas: Por que somos rápidos em condenar algumas expressões do pecado e somos omissos em outras? Por outro lado, não seria correto condenar o intento humano de querer ser “livre” buscando a liberdade onde não a encontrará? Seria possível, como em muitos dilemas da vida, condenar o que está mal e afirmar o que está bem? Como escolhemos o que condenamos e o que não? Como faço para discernir o mal do bem em tantas manifestações culturais?

2.A visão utilitarista – Seria a aproximação de alguns grupos que vêem em certas festas uma oportunidade para se envolver em missão, talvez inspirados em Paulo, fazendo-se de tudo para ganhar a todos, entrando de maneira organizada nos blocos de rua, nas celebrações, mas buscando fazê-lo com uma “linguagem cristã”, com a intenção de alcançar e converter os foliões perdidos.

Perguntas: Obviamente não está mal querer cumprir o mandato missionário em todas as oportunidades que encontramos, mas não seria ingênuo achar que somente a mudança da linguagem já seria suficiente? Como nos conectamos com os demais? Somos somente aqueles outros que querem “ser diferentes” sem entender bem o porquê de ser diferentes? Qual a verdadeira “eficácia” de anunciar sem ouvir ao outro, sem servi-lo, sem compreendê-lo? Em que medida uma motivação proselitista utilitária mais atrapalha do que ajuda em meu testemunho?

3.A ressignificação – considerando que certas festas possuem uma ligação direta ou indireta com o calendário cristão, ou que se acercam de alguma maneira a valores que, vistos à parte, são identificados ou possuem pontes de contato com as crenças cristãs, como:
a.A alegria e a celebração da arte, da vida e do corpo que Deus nos deu
b.A clara vitória da vida sobre a morte (nos casos óbvios da Páscoa, mas também na origem da festa do Halloween, ou “All Hallow’s Eve”, a véspera do dia de todos os santos, em que os cristãos recordariam os seus “santos”, ou seja, todas as pessoas queridas crentes que já se foram, a sua fé, o legado que nos deixaram, zombando então do pífio poder da morte e celebrando a vitória da vida)
c.O maior milagre de todos, pelo menos para os cristãos, que é a encarnação do Deus Criador em um frágil ser humano. Não há pinheirinho ou Papai Noel que ofusquem a força dessa mensagem encarnacional de esperança e de vida.

Perguntas: Quais são possíveis caminhos para ressignificação de certas festividades populares, para compreendê-las e celebrá-las de uma nova maneira? Como ensinamos aos nossos filhos a prudência, a sensibilidade e a vivência saudável de certas manifestações de nossas culturas? Como evito o sincretismo e a ingenuidade, ao mesmo tempo em que estimulo artistas, cantores, produtores culturais, cidadãos cristãos metidos no mundo, nas diversas esferas e grupos da nossa sociedade, a cumprir seu mandato cultural e missionário?

Aqui não tenho as respostas. Mas sou agradecido por fazer parte de uma comunidade de discípulos que humildemente segue buscando caminhos e respostas para a vida e missão, na cultura e no mundo onde o Senhor nos enviou.

Recomeçar


Time goes by
Upload feito originalmente por Frodrig
Que princípios me guiam quando começo uma nova etapa, projeto ou desafio na vida? Em horas assim eu me identifico com aqueles discípulos que pedem a Jesus, “aumenta em nós a fé” (Luc. 17:5). Ao ver a resposta de Jesus e a sequência de eventos narrada por Lucas, encontro três princípios norteadores:

Princípios
1. Fortalecer a fé cultivando um coração agradecido
Lucas descreve a cura dos dez portadores de hanseníase em que somente um deles, o marginalizado samaritano, volta para agradecer. A ele Jesus diz “a tua fé te salvou” (Lc 17.19). Ora, os outros também haviam sido curados, mas a diferença com esse é que houve reconhecimento e gratidão quanto ao que havia passado. Para ele então haverá fé fortalecida e reafirmada para enfrentar o que virá. Gratidão e fé andam de mãos dadas. Quem é capaz de reconhecer tudo o de bom que já passou consegue ver com mais sossego e confiança aquilo que ainda virá.

2. Cuidar e vigiar a minha vida
Em seguida aparece a pergunta sobre a vinda do Reino de Deus. Jesus se contrapõe à arrogância de quem diz que o “o Reino está aqui ou ali” com uma curiosa receita. Ele diz que em verdade o Reino já “está entre vocês”. Assim os prepara para os tempos de aflição que chegarão. Não mais expectativa e especulação sobre o que virá, mas alerta para que cuidem e vigiem o que já está, a sua vida. Ecoa a exortação que apareceu antes, “tomem cuidado” (Lc 17.3), a mesma de Paulo a Timóteo (“cuide de você mesmo e tenha cuidado com o que ensina”, 1 Tm 4:16). Cuidar e vigiar sempre, e mais ainda quando tudo vai bem, quando sou bem-sucedido e em experiências de poder e influência. Cuidado e humildade serão bom acompanhamento para tudo o que está por vir.

3. Perseverar na confiança em um Deus bom e justo
Uma viúva insistente e um mau juiz nos trazem o terceiro princípio (Lc 18.1-8). Essa mulher luta por justiça. Quem pode trazê-la é indiferente e iníquo. Ela não se importa, nem desanima, ao contrário, persevera, consegue que se atenda o seu pleito. A lição? Se um juiz assim promove a justiça, quanto mais não o fará um Deus que é bom e justo. A perseverança muitas vezes é tudo o que nos resta. Sem resposta, sem inclusive sinais de que ela chegará, só nos cabe a obediência simples de seguir no mesmo correto caminho, confiando no Deus de justiça.

Contextos
Também vejo na Palavra três contextos em que somos chamados a cumprir uma tarefa. Eles são a necessidade (Gn. 2.5, “não havia ninguém para cultivar o solo”), a falta de esperança (Ez 37.11, “nossa esperança desvaneceu-se”) e o medo (Jo 20.19). Em cada um desses episódios o elemento comum é o sopro do Senhor, que nos comunica três verdades fundamentais:

Verdades
1. Deus nos dá a vida e a sustenta.
Quando o Espírito do Senhor sopra sobre o homem, lhe dá fôlego de vida, mas não só isso, lhe dá um sentido e um propósito à vida, cultivar e guardar esse jardim onde foi plantado. Não só minha vida, mas as tarefas e os projetos terão novo sentido com o sopro de poder daquele que me criou. A necessidade pode até ser um elemento importante de nosso chamado, mas essencial em verdade será o doce propósito sussurrado por esse sopro.

2. Deus renova todas as coisas
Os ossos sequíssimos são o símbolo inapelável da desesperação. Mas o sopro é a evidência de que a desesperança não tem a palavra final. Em um processo, em etapas, os ossos ganham carne, tendões, pele, e ao final o sopro de vida. Nada está tão seco ou estragado que não possa ser restaurado. Parece que os mais jovens tendem a crer que um erro ou tragédia seja o final da história. Por outro lado parece que muitos anciãos conseguem desenvolver essa capacidade de crer que um equívoco, mesmo que grande, não nos determina. É preciso recuperar a capacidade de confiar em um Deus que renova com o seu sopro todas as coisas.

3. Jesus nos envia na sua paz e no poder do Espírito
Jesus morto e ressuscitado, mas as dúvidas e as perseguições atemorizam os discípulos. Reunidos a portas fechadas, Jesus os visita, e por três vezes lhes diz: “Paz seja com vocês”. Assim os consola antes de soprar sobre eles enviando-os da mesma maneira que o Pai lhe havia enviado (Jo 20.21). O medo será natural, moeda corrente, mas o sopro nos conduzirá em paz, no seu poder, no aprendizado do estilo de Jesus para a vida e a missão.

Três princípios, três contextos, três verdades que fundamentam novos projetos. Que sopre sobre nós o bom vento do Senhor!