09 abril 2010

Consertar eu acho que (não) sei...



"E se alguém fizer o que está mal?", a jovem estudante me fuzilou com sua pergunta. Tudo bem que havia sido uma maneira mais elegante do que me questionar "e se alguém meter o pé na jaca?...". Mas eu não podia evitar sentir-me acurralado por seu tom de voz ligeiramente alterado e seu intrigante olhar meio enviesado. "A pergunta era pra mim?" Olhei pro lado, um pouco pra trás. "Acho que foi pro Zé Mané aqui, não foi pra mim não...".

Sem escapatória, quando dedos traidores apontaram para mim, e depois de alguns intermináveis segundos de hesitação, recordo haver balbuciado algo assim, "bem, aí temos a graça de Deus para nos restaurar...". "Ah, não, daí é fácil demais!", ela sentenciou, sem piedade das gotinhas de suor que minavam de minha fria testa e escorregavam por um saliente nariz.

Eu estava nervoso, claro. Quem havia tido a ideia de me colocar naquele painel sobre sexualidade nesse encontro de formação de líderes
(1)?! Eu era demasiado jovem (digamos "mais jovem", para ser tecnicamente correto), recém-formado, solteiro e, creia-me, sabia muito pouco sobre sexo e afins.

Tinha algumas noções sobre a teoria e, mais do que qualquer outra coisa, eu confiava na graça do Senhor para me restaurar se algo "saísse mal". Mas parecia que aquela ideia de redenção incomodava profundamente minha colega. Aparentemente, ela acreditava que o medo ou as regras seriam melhores guardadores de minha sexualidade. Eu, por outro lado, cada vez que lia e meditava mais sobre o assunto, tendia a concordar com Paulo, para quem as leis ou as regras só servem para nos condenar, mas não para nos manter no bom caminho. Também me parecia cada vez mais sábio aquele tal discípulo amado, para quem o amor seria um poder muito mais forte do que o medo.

Me parece que um dos problemas é que achamos que somos bons em consertar, em julgar e em corrigir. Mas, pensando bem, creio que não o somos. Infelizmente já vi demasiados "exemplos" de "disciplina" em igrejas que mais se parecem a exercícios públicos de humilhação e de revanche. Poucas vezes entendemos que disciplina nas Escrituras rima mais com cuidado e sanidade do que com castigo e isolamento. (uma rápida observação: a Palavra nos diz que devemos cuidar para não nos relacionarmos com aqueles que são falsos mestres, que aparentam piedade mas que de fato desviam as pessoas do Caminho; porém esse é um problema distinto e teremos que deixar esse assunto para outra hora).

Se temos dificuldades para entender a graça da redenção talvez seja porque antes, muito antes, também encontramos dificuldades para agradecer a bondade e a beleza da criação. Foi John Stott quem já disse que somos muito melhores na doutrina da redenção do que na doutrina da criação. Sem querer discordar do tio Sott, possivelmente também sejamos ruinzinhos na doutrina da redenção. Achamos presunçosamente que nós somos aqueles que sabem consertar. Essa história da graça seria, nesse caso, uma conversa mais apropriada para o bom e ingênuo sono bovino.

Pensando nisso da criação é que me deparei outro dia desses com essa interessante citação de Chesterton, esse homenzarrão católico que influenciou toda uma geração do início do século XX, entre eles nosso admirado C. S. Lewis. Ele disse o seguinte:

"Você dá graças antes das refeições,
Muito bem.
Mas eu dou graças antes de uma peça teatral e de uma ópera,
E dou graças antes de um concerto e de uma pantomina,
E dou graças antes de abrir um livro,
E dou graças antes de atuar como ator, antes de pintar,
De nadar, de esgrimir, de lutar boxe, de andar, de brincar e de dançar;
E dou graças antes de começar a escrever".
(2)

Aproveito para voltar a pensar sobre a tal sexualidade do começo dessa reflexão. Se eu conseguir ser mais agradecido ao Criador por sua bondade no desenho da sexualidade, talvez eu venha a entender melhor, e a aceitar, sua generosa oferta de restauração, naqueles tristes casos em que eu quase venha a estropiar tudo de belo que Ele fez.

Ou seja, se recebo bem o presente de sua graça e bondade na criação, talvez eu receba melhor a oferta de sua graça e misericórdia na redenção.

Consertar eu acho que não sei. Sabes Tu, Aquele que me desenhou primeiro. Aceito que me tomes pelas mãos, essas que espalmadas querem aprender a agradecer a beleza de sua criação e a generosidade de sua redenção.

(1) Era um IPL, um Instituto de Preparação de Líderes, da ABU (Aliança Bíblica Universitária), se não me engano aí pelo ano de 1993.
(2) Citado por John Stott, em A Mensagem de 1 Timóteo e Tito, da ABU Editora, p. 115.

Foto: © Autoportrait
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