24 março 2009

Lições de sobrevivência



Que impacto pode nos trazer um incêndio florestal ao redor de um acampamento estudantil? Minha própria resposta a essa pergunta creio que quitará o mérito do fogo, talvez não fale tanto do milagre que ali ocorreu, e centrará a busca por aprendizado nas reações de cada um dos sobreviventes.

Era o penúltimo dia do encontro nacional de capacitação do GBU Chile, nesse lindo acampamento que GBU possui em Río Quino, cerca de 8 horas ao sul de Santiago.

Eu havia sido convidado a dar estudos sobre a espiritualidade do coração e do cotidiano, a partir da vida de Davi em 1 e 2 Samuel. Lindo desafio!

Na véspera de terminar o encontro, fomos surpreendidos com um incêndio que se acercava às instalações. Ao tentar mobilizar uma equipe para cortar o caminho do fogo, rapidamente tivemos que mudar de idéia e evacuar a todos no menor tempo possível, pois o fogo já havia tomado os abundantes arbustos e as árvores que rodeiam a área do acampamento.

Com muito vento, e o fogo literalmente saltando ao nosso redor, víamos uma única possibilidade. Refugiar-nos no rio, em um local onde ele é um pouco mais largo, a cerca de 15 minutos de nossas cabanas.

A última imagem gravada em nossa retina em meio à escapada foi a de um fogo alto que tomou por completo toda a área em que estavam os prédios do acampamento.

Ficamos cerca de 1 hora e meia, nesse ponto mais baixo, literalmente dentro do rio, sem saber bem o que acontecia ao redor. Escutávamos o fogo, víamos a fumaça e também o helicóptero que combatia o incêndio, mas não podíamos fazer muito mais do que esperar.

Quando dois bombeiros chegaram até onde estávamos e nos disseram que havíamos que sair rapidamente dali foi, confesso, quando mais temor senti. O grupo já estava cansado, física e emocionalmente, e haveria que evacuá-los uma vez mais, em meio a uma zona de incêndio.

Depois de um longo recorrido por terreno acidentado, cercas e fumaça, chegamos a salvo na margem da autopista onde se havia originado o fogo. No total, 3 horas literalmente correndo pela vida. Lições? Creio que muitos ainda estão processando, como eu, tudo o que passou. Assim mesmo me arrisco a algumas observações.

Valor de cada um

Creio que Deus fez com que, em meio da crise, o valor e os dons que Ele dá a cada um se fizessem evidentes para o bem comum. Houve quem orasse, cantasse, quem cuidou daqueles que necessitavam de calma, quem ajudou quem não se sustentava no rio, e os que se apoiaram na fuga em terreno acidentado.

Tomo a liberdade de nomear a uma pessoa, Carmen Castillo, secretária geral de GBU Chile. Ainda que seu esposo, sua filhinha e sogra estivessem em uma casa muito próxima ao acampamento que foi tomado pelo incêndio, e sem saber mais notícias deles, de algum lugar ela arrancou forças e espírito de liderança para conduzir todo o grupo em segurança. Creio que bem poucos conseguiriam fazer o que ela fez num momento de tensão como esse.

Entrega e desprendimento

A primeira coisa que fizemos quando chegamos à estrada foi orar e agradecer por nossas vidas, mesmo que supostamente havendo perdido tudo. É que nossa última “fotografia” do local nos fazia crer que tudo se havia queimado. Foi só quando os bombeiros nos permitiram voltar que atestamos com nossos próprios olhos que os prédios e cabanas de madeira ainda estavam ali.

Para mim a prova mais importante aí foi testar nossa capacidade de entregar o que temos, mesmo que seja algo valioso e querido por nós. Inclusive o próprio acampamento, um espaço com certeza usado por Deus para abençoar. E se ele se queimasse? Bom, creio que Deus faria o que lhe é próprio, seguir com sua obra, reconstruir, utilizar-nos, com ou sem prédios, com ou sem recursos. Bom, na verdade com um recurso primordial, nossa vida em suas mãos.

Um livramento

Até para um cético pouco afeito a milagres como eu, o livramento que Deus nos proporcionou foi algo forte. O fogo passou literalmente a centímetros das cabanas de madeira, também protegeu com mão firme e misericordiosa alguns poucos que haviam ficado para trás, incluindo a família de Carmem, o caseiro e 2 estudantes que voltaram para ajudar a combater o fogo. Deus sempre nos livra dos perigos? Creio que não. Mas aí claramente nos livrou e ainda há que meditar nas lições e oportunidades que se abrem para nossa maturidade espiritual com esse livramento.

Sacrifício

Poucas vezes, ou talvez nunca antes em minha vida, tenha visto tanta gente jovem trabalhar tão duro como o fizeram na madrugada e dia seguintes ao incêndio. Estavam cansados, esgotados, e ainda assim não dormiram, vigiando e apagando focos de incêndio que voltavam a aparecer, com pás e enxadas nas mãos e carregando pesados baldes de água em largas distâncias. Sem reclamar e me parece que mesmo sem medir o tamanho do esforço que faziam.

Certamente que foi toda uma experiência, muito vigorosa e intensa. As lições? Ainda se necessitará tempo para pensar em tudo o que se aprende, e há que passar esse testemunho às próximas gerações estudantis. Destaco aqui, por enquanto, essas rápidas lições:

• Se estivermos nas mãos de Deus, Ele pode sacar o melhor de nós em meio a uma crise (infelizmente, o oposto também é verdade);
• O recurso mais importante que podemos ter não são nossos bens ou recursos, mas nossas vidas nas mãos de Deus;
• Mesmo que Deus não nos livre sempre dos perigos, há que reconhecer quando Ele com suas mãos intervêm em nossas vidas e meditar sobre as oportunidades que Ele nos dá;
• Quando a mão do Senhor está comigo posso fazer coisas que humanamente pensava que não estavam a meu alcance fazê-las.

Viu como as “mãos de Deus” apareceram em cada uma dessas 4 lições? Creio que foram elas que mudaram vento, protegeram, sustentaram no rio e nos levaram em cada momento. Veja só, até um cético como eu foi capaz de enxergar essas mãos. Obrigado, Senhor!

Fotos: Sandra Aravena (GBU Chile)

22 março 2009

Me dá 30 segundos?


Autores reconhecidos, a quem eu admiro, deram remédio equivocado depois do correto diagnóstico.

Em um livro sobre apologética, a tal ciência que busca limpar os obstáculos do caminho até a fé, eles disseram que as pessoas não têm mais tempo para ouvir o que você tem a dizer. Isso, em tese, cria então um empecilho importante na tarefa de compartilhar as boas notícias da vida em Cristo.

Qual a solução? Ensinam que deveríamos aprender a resumir a excelente notícia em 30 segundos. Faz aí: diz em 5 minutos, reduz pra 2, resume em 1 e, quem sabe, estará preparado para o desafio final de anunciar a grande mensagem de salvação em menos tempo do que você leva (ou deveria levar...) para escovar os seus dentes.

É quase como se a sujeirinha que alimenta as bactérias que escavam meu esmalte dental merecessem mais atenção e tempo do que ouvir e dialogar com o interlocutor com quem compartilho minhas crenças mais íntimas.

Injusta e cruel interpretação do que queriam dizer? Talvez sim. Além do mais, sempre poderá ser um bom exercício esse de saber sintetizar e trazer até a essência o que alguém crê. Talvez até mesmo precisemos mais dessa saudável disciplina de eliminar o que é penduricalho e chegar a dizer em síntese o que é essencial em nossa fé.

Mas ainda sim, confesso, isso provoca em mim um grande incômodo. Não estaríamos diante da situação em que é preciso ser contra-cultural, desafiar o ethos da indiferença, do individualismo, da suposta falta de tempo e daí cultivar espaços ricos em que nos dediquemos a passar mais tempo uns com os outros, para conhecimento mútuo, convidando então esses “outros” a que entrem em nossa intimidade, resgatando a hospitalidade e o compartilhar da mesa?

Não se poderia assim atuar contra a cultura de nossa época e encontrar algo mais do que meio minuto para dialogar a respeito da fé que salva?

Penso que meu tempo se acabou. Faz o seguinte. Vem aqui em casa para que tomemos juntos um bom café ou o acertado e amargo mate uruguaio. Quem sabe não seja um bom começo? Só uma condição, terá que ficar mais do que 30 segundos...

Foto: © Percezioni spazio-temporali / Spatiotemporal perceptions

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