18 outubro 2008

O passado do santo e o futuro do pecador



Em meio à turbulência financeira mundial, certo personagem tem aparecido bastante e há sido citado com freqüência. Trata-se do homem mais rico do mundo, Warren Buffet.

Fala-se de suas compras de ações quando todos as estão vendendo ou de seu caráter de guru financeiro, cobiçado por ambas as campanhas presidenciais para ser algo não menos que o próximo secretário do tesouro norte-americano.

Questionado em uma entrevista acerca das vítimas e culpados da crise mundial, esquivou-se em responder. Quando pressionado, disparou: “cada santo tem um passado e todo pecador tem um futuro”.

Do alto de seus 78 longos anos, creio que o senhor Buffet regalou-nos uma frase de profunda sabedoria. Posso não concordar com a visão capitalista do homem nem ser um de seus devotos admiradores. Mas creio que é preciso reconhecer nessa resposta uma importante verdade espiritual.

Trata-se do seguinte. Por mais “santo” ou correto que eu seja, ou que busque ser, sempre ainda terei a oportunidade de enfiar o pé na jaca. Essa crua verdade deveria me levar a cultivar a humildade, a moderação e a vigilância. Ela me ajudaria a evitar a arrogância e os abismos a que ela pode me levar.

Há algo mais, não menos importante. Por mais pecador que eu seja, por mais mancadas que eu tenha cometido, o evangelho da graça e da fé em Cristo parece sempre nos apontar a possibilidade da volta, da segunda chance. Ao sinalizar o caminho de saída, nos permite um alívio, um respiro, um fio de esperança no meio da escuridão.

Uma secretária que trabalhou com o primeiro secretário geral da IFES, Stacey Woods, disse o seguinte depois de trabalhar com ele por um período, “ele é terrível em seus relacionamentos pessoais, mas possui uma tremenda visão de Deus e confiança nEle – e Deus sim trabalha através dele apesar do que ele é.” 1

“Apesar do que ele é” poderia soar algo pesado ou parecer uma crítica injusta, mas talvez seja muito melhor ser mais realista com nossos heróis, do que idealizá-los como “santos” com um passado irrepreensível. Poderíamos cair na tentação de projetar modelos que seriam inalcançáveis, talvez na mesma medida em que seriam irreais, inventados.

Quem sabe isso nos ajude, a todos nós, pobres e miseráveis pecadores, a caminhar com cuidado e confiança, porque há Aquele que nos abre um futuro e uma esperança.

1 Citado em "C. Stacey Woods and the Evangelical Rediscovery of the University", A. Donald MacLeod, IVP Academic.

Foto: © DSC06973
Upload feito originalmente por Ale J. Ven.

06 outubro 2008

Genes adúlteros



Você já notou esse modo comum e curioso de dar uma notícia que atribui a fenômenos naturais características ou condutas que são humanas? Por exemplo, manchetes como “chuva intensa causa morte na Dutra”, ou “a neblina provocou vários acidentes na Marginal”.

Ora, é sabido que a chuva ou a neblina não são malévolas, nem tampouco se pode atribuir a elas características inerentes de psicopatas assassinos em série.

O que esse modo de dar as notícias esconde é a real responsabilidade humana de gente que foi imprudente diante de condições meteorológicas adversas. Se os condutores não tomam as devidas precauções debaixo de circunstâncias desfavoráveis, ou se o governo não cuida bem do pavimento das estradas, então não se pode ocultar a responsabilidade humana e social envolvidas.

Não faz muito tempo saiu uma reportagem em um jornal uruguaio acerca da descoberta do gene da infidelidade masculina. Segundo essa investigação, é possível duvidar da capacidade dos homens que possuem uma variante do gene 334 de manter uma relação estável com sua esposa.

Penso nos possíveis desdobramentos dessa “descoberta”. O marido chega a casa tarde e diz para a esposa, “foi mal, querida, mas meus genes me levaram a isso, não tive culpa”. E a esposa, muito compreensiva e ciente das recentes pesquisas científicas, lhe devolve “não liga, amor, sei que são seus genes...”.

Isso me faz lembrar quando eu flagrava uma de minhas filhas beliscando a irmã e com ar de inocência se justificava, “não fui eu, foi meu braço que fez isso”. O pior é que aparentemente ela acreditava ser essa uma boa explicação.

Talvez o mesmo possa acontecer com esses pobres e ímpios seres humanos destinados ao pecado por sua carga genética. Passam a acreditar que são certas circunstâncias do destino que o levam a um ou outro comportamento perverso. “E quem disse que é perverso? Somos assim, e ponto”.

“Estou cansado”, “ando insatisfeito”, “ela não me corresponde como eu gostaria”, e por assim segue a infindável descrição de “causas” para nosso comportamento e escolhas. Sempre algo exterior, circunstancial, uma culpa atribuída às condições externas ou depositada sobre a atitude do outro.

Creio que ainda que se comprove uma real influência de genes específicos sobre certos tipos de comportamento, ainda sempre poderemos falar de nossa determinante responsabilidade humana quanto às escolhas que fazemos. Mesmo que algo possa influir, ainda tenho o poder de construir, cuidar, levar em conta as condições adversas e assumir responsabilidade pelos caminhos tomados.

Menos mal que uma das pesquisadoras da tal investigação afirmou que “um homem que sabe que tem esse gene em seu cérebro pode manejar ou utilizar seu conhecimento e caráter para fazer frente e resistir a essa inquietação que faz tremer o matrimônio ou a relação do casal”.

Não será a chuva, neblina ou os genes que farão com que deixe de cuidar, prevenir e assumir o que faço.

Foto: © zeitnot
Upload feito originalmente por SeBa MaYa