30 junho 2008

Estaria o poder em minhas mãos?



(Série Histórias Agronômicas - IV)

O Reino de Deus é mais uma vez comparado a um homem que lança a semente na terra. (Marcos 4: 26-29)

Ao voltar a falar do trabalho como metáfora do Reino, Jesus nos comunica que a idéia do esforço que alguém investe em alguma coisa para produzir algo é um conceito importante no Reino de Deus.

O trabalho não seria fruto da Queda. Ele já estava antes, na mente e nos desígnios de Deus para a raça humana. No início, Deus plantou a humanidade em um jardim, para o “cultivar e guardar” (Gên. 2:15).

O que se passa depois do pecado e da desobediência crucial do homem e da mulher é que o trabalho passa a ser um processo que nos custará muito (Gên. 3:17). Haverá que trabalhar duro e muitas vezes parecerá que se trata de um esforço em vão (Eclesiastes).

Em nosso cotidiano, onde experimentamos frustrações em nossa experiência de trabalho, como é importante escutar as palavras de Jesus que resgatam o valor e a importância do trabalhador e de seu esforço.

Essas palavras de ânimo tornam-se ainda mais vitais quando reconhecemos a enormidade da tarefa, o muito que há por fazer, e os obstáculos no caminho.

Agora, uma ênfase em nosso esforço e no trabalho de nossas mãos não pode fazer com que creiamos que todo o poder e responsabilidade estejam nela, em nossas mãos. Pensar assim nos levaria à arrogância e à auto-suficiência.

“Noite e dia, estando ele dormindo ou acordado” (Mc. 4:27a), vemos que o que determina o fruto não é o nosso esforço (“dormindo ou acordado”) nem tampouco as circunstâncias (“noite e dia”).

Não há que carregar uma responsabilidade ou peso maior do que o que nos cabe ou do que podemos levar. Certamente isso nos arrastaria a uma experiência de culpa, desânimo, cansaço e frustração.

Também evita que pensemos que há que esperar pelas circunstâncias supostamente ideais ou mais adequadas para nosso trabalho e esforço. Infelizmente, essas “circunstâncias ideais” nunca chegam, sem falar de que podemos nos equivocar em sua avaliação.

“A terra por si produz o grão”, ou, em outra versão, “a semente sempre nasce e cresce” (Mc. 4:28a), é um consolo importante e uma esperança firme em um poder que não está em nossas mãos.

(Continua...)

Foto: © Jon Block -
Goldsmith
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23 junho 2008

Dificuldades, mas alegria



(Série Histórias Agronômicas - III)

Muita gente necessitada veio escutar essas parábolas que Jesus lhes contou. Ficavam de pé, à beira da praia, ansiosos por ouvir algo acerca do caminho. O Semeador então lhes falou que na vida há uma luta ativa contra: o esquecimento, a superficialidade e as tentações.

As sementes ao largo do caminho são o esquecimento. Elas nos falam da indiferença, da insensibilidade, da apatia. Também do perigo do “roubo” da Palavra e da esperança semeada.

As sementes no meio das pedras são a superficialidade. Aquela que se revela na falta de um bom fundamento, de sólidas motivações, de bons marcos de referência. Que brota da inconsistência e da falta de perseverança diante das dificuldades.

As sementes entre espinhos são as tentações. Até coisas boas, quando mal usadas ou mal enfocadas, tornam-se um desvio e um problema. Daí surgem as tentações da ilusão e do engano das “soluções” rápidas. Vem a atração do poder, e a tentação de usá-lo para si e não para o benefício dos outros (Marcos 10:42-45), afogando assim qualquer pretensão de bom fruto.

Talvez para animar-lhes a vencer essas dificuldades, o Semeador fecha a história com a alegria das sementes que produzem. Sua palavra final é uma de ânimo, para nos encher de esperança, apesar das dificuldades.

Humanamente, e visto pela lógica da produtividade, o semeador foi bastante ineficiente. Dos quatro tipos de terrenos, somente um produziu. Mas a lógica desse Semeador parece ser distinta.

De acordo com Ele, deve haver muita alegria com o que se passa com essas sementes: essas que escutam, aceitam e produzem.

Ao escutar, elas abrem espaço verdadeiro para que a Palavra faça sentido em suas vidas. Dialogam, interagem, guardam-na e preservam-na como um tesouro precioso.

Ao aceitar, talvez isso nos fale de um recebimento genuíno da Palavra, um acolhimento que abarca sua vida e que lhe dá novo rumo, novo sentido e novo norte.

Ao produzir, revela o que era mais importante para o Semeador. Foi Ele mesmo quem disse, ao terminar essa desafiante história, “o que tem ouvidos para ouvir, que ouça”. “Escutar” era o equivalente a “colocar em prática” o que se ouviu. Essa seria uma comprovação de que de fato a escutou.

A boa terra produz uma colheita variada (30, 60 e 100 por um) e abundante. Ao produzir, cada uma dessas sementes é agora multiplicadora dessa mudança e dessa vida em outros terrenos. Que outros? Ora, há muitos outros como aqueles que ao início dessa história estavam ansiosos, de pé, à beira da praia.

Aqueles que buscavam são então chamados a ser a resposta a muitos outros que também, em suas necessidades, seguem buscando.

(Continua...)


Foto: © Tim Kahane 2006- 0138 Waiting in a field
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16 junho 2008

Em todos os terrenos



(Série Histórias Agronômicas - II)

No capítulo mais agronômico* de todas as Escrituras, a primeira das parábolas chega para contar-nos acerca de um semeador com uma tarefa. Essa consiste basicamente em fazer um recorrido por vários tipos de terrenos, semeando em cada um deles.

Entre tantas e tão importantes lições, hoje fico com uma que me parece pouco notada. A de que o semeador passa por vários terrenos.

A pergunta, bem simples, seria essa. Por que ele passa por diversos terrenos, inclusive aqueles com “poucas chances”?

Estaria o semeador em busca daquele terreno ideal, em uma espécie de caça ao tesouro perdido, para que quando o encontre, abandone os demais?

Será que lhe faltou uma pesquisa prévia de mercado, para saber dos interesses de seus potenciais consumidores, e assim tentar prever o impacto de seu produto no mercado?

Teria lhe faltado orientação profissional e seria ele somente um inexperiente amador que precisa preparar-se melhor para essa tarefa?

Ou não seria simplesmente uma indicação de que não se deve fazer uma “pré-seleção do terreno”? Fico pensando se a ação do semeador poderia nos revelar a lição de que não há que buscar definir de antemão, como se isso fosse possível, donde seremos exitosos e donde não. Por essa lógica, alguém pensaria que poderia escolher semear e trabalhar somente onde imagina, ou aposta, que tudo lhe sairá bem.

O problema é que não é possível, nem desejável, alcançar essa certeza.

Não é possível porque não sabemos tudo, não temos o controle de todas as variáveis e circunstâncias. Também porque há outros elementos, assim o veremos nessas parábolas, que envolvem esse ato de semear com nossas frágeis mãos.

Também não é desejável porque não podemos excluir ou decidir que esse sim e que esse não. Ao contrário, Jesus nos ofereceu um modelo de compaixão por todas as pessoas, em todas suas necessidades. A paz e a vida são presentes oferecidos a todos, sem distinção.

(Continua...)

* Marcos 4

Foto: ©
Countryside: Crops
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09 junho 2008

Foi assim que me apaixonei por aquele texto



(Série Histórias Agronômicas - I)

Apaixonei-me por um capítulo da Bíblia em um congresso científico! Foi assim. Tive que chegar antes para garantir meu assento no auditório. O Dr. Warwick Estevam Kerr estava por proferir uma palestra no Congresso Brasileiro de Genética. Era 1990, em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. De todos lados chegavam estudantes e professores para ouvir aquele que trazia consigo uma invejável fama de brilhante cientista.

Para falar da biodiversidade, o tema de sua palestra, o Dr. Kerr nos deliciou com uma exposição da parábola do semeador! Aí estava um respeitado geneticista deixando-nos boquiabertos com sua desenvoltura ao falar de ciência usando a sabedoria dos evangelhos.


Creio que o capítulo 4 do evangelho de Marcos, onde encontramos essa parábola, é o capítulo agronômico por excelência. Antes que você pense que estou sendo tendencioso por defender a classe agronômica, observe que, nessa seção das Escrituras, Jesus nos conta três parábolas sobre as sementes como metáforas do Reino.


O Dr. Kerr é um homem brilhante, mas também muito simples. Lembro-me com carinho de sua deferência ao vir fazer comentários sobre o trabalho científico que eu, um jovem e bem inexperiente estudante, apresentava. Apesar dele conhecer meu pai já havia algumas décadas, foi fácil reconhecer que sua atenção não se deveu a essa conexão, digamos, familiar.


Bastava ver como ele pacientemente visitava cada stand, e a maneira como ele falava com cada estudante como se fosse um companheiro de longa data na labuta científica. O saber não lhe havia subido à cabeça. Perguntava-me se poderia haver outra lição que ele poderia nos dar. E ele o fazia.

Era alguém que propunha questões instigantes, provocativas, ajudando-nos a ver aspectos da investigação que antes não havíamos nos dado conta. Ou seja, sua ajuda vinha mais através de suas perguntas e provocações do que através de receitas que pudesse nos dar.


Foi assim que esse professor universitário, um cientista bem respeitado em todo o mundo, levou-me a uma paixão por algumas parábolas das Escrituras.


Falo do professor, e de como me inspirou, talvez em uma singela homenagem, antes de compartilhar com vocês algumas breves reflexões sobre as sementes e o Reino, nessa série à qual nomeio “histórias agronômicas”. Até a próxima semana!


Foto: ©
Ready for Lecture? (Version 1)
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