18 janeiro 2008

Promessas...



Depois da preguiça ao reproduzir aqui artigos já escritos, e às vésperas de sair para mais uma viagem, resta-me o expediente das promessas.

Então, prometo...

... escrever aqui sobre a Bússola de Ouro de Philip Pullman, o livro interessante e o filme frustrante, assim como a crítica da Igreja Católica ao escritor e sua abordagem.

... narrar aventuras de uma viagem a Moçambique, algumas embaraçosas gafes e compartilhar dicas sobre como falar em público.

... contar como alguns sonhos e experiências místicas, aliados a uma boa dose de pragmatismo e iniciativa, marcaram o nosso caminho até chegar ao Uruguai.

... refletir sobre o entendimento da missão integral, buscando mais a unidade e a coerência do que os antagonismos e as divisões.

... contar algo da pouco conhecida história da primeira sociedade missionária transcultural criada no Brasil no meio protestante do final do século XIX.

Como o Mestre já falou algo sobre prometer menos e fazer mais, chega de promessas. Vejo-os em fevereiro. Ofereço-lhes um merecido descanso.

Foto: ©
Seedlings (Panorama)
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16 janeiro 2008

Para além de Lausanne



(Pacto de Lausanne – Parte 7 - Final)*

É claro que há uma influência que ultrapassa o âmbito dos participantes dos congressos e eventos que podemos citar, que certamente é mais difícil de mensurar. Ela ocorre nas esferas do discipulado pessoal, da formação de opinião, da pregação, da práxis renovada da igreja onde, sem que haja referências explícitas a pactos ou documentos, eles estão de alguma maneira ou de outra na fonte da abordagem, da reflexão e da definição de nossa atuação missionária.

Assim, creio ser muito importante a formulação de documentos de referência para a identidade e vivência missionária da igreja sem que, contudo, na prática, eles necessariamente tenham que ‘aparecer’.

Recentemente, ao ler um documento assinado pelos participantes de um evento de conscientização missionária voltado para a juventude paulistana, surpreendi-me ao ver uma referência ao Pacto de Lausanne em seu texto.

Perguntei a um dos organizadores do evento se os participantes mais jovens conheciam o referido pacto, ao que ele me respondeu que provavelmente não, mas que os ‘mais antigos’ haviam sugerido a inclusão de sua menção.

E era só observar na agenda e proposta do evento para perceber que o ‘espírito de Lausanne’ estava mesmo lá. É assim, creio eu, que novas gerações podem ser não apenas ‘reproduzidas’, mas também desafiadas a aprofundar seus questionamentos para, à luz da Palavra de Deus, responder aos desafios de sua época de maneira criativa e obediente ao Senhor.

Há uma agenda de desafios diante da igreja evangélica brasileira, e possivelmente esse “espírito de Lausanne” possa contribuir com as respostas que daremos aos dilemas que temos adiante.

A partir do que refletimos aqui e das histórias com que procurei ilustrar alguns pontos, cito alguns desses desafios, numa lista ainda incompleta, mas que espero possa servir para nos dar um empurrão inicial nessa agenda de reflexão e ação:

• É preciso recuperar a unidade da igreja na prática de nossa missão, ultrapassando nossas estreitas fronteiras denominacionais, deixando de lado interesses particulares e pessoais de projeção e poder, e mesmo deixando de enfatizar tanto nossas diferenças de método ou outras, que às vezes chamamos de “doutrinárias”, mas que, na verdade, escondem nossas agendas e ambições. (Alegro-me ao lembrar-me do pastor presbiteriano que encaminhou meu tio-avô, Aclíneo, para a igreja metodista a qual veio a acolher toda a minha família na região de Olímpia);

• Devemos aprofundar nosso conceito de missão integral, passando do discurso para a vivência, colocando a “mão na massa”, atuando e intervindo de maneira ousada e criativa diante das oportunidades e das imensas janelas de necessidade que se vislumbram em uma realidade tão problemática e carente como a nossa. Só poderemos falar de um avivamento no Brasil quando percebermos que questões espinhosas de nosso país como o tráfico de drogas, a corrupção, o abuso e exploração de crianças, entre outras, tiverem sido radicalmente mudadas a partir da atuação da igreja de Cristo;

• É preciso assumir os riscos desse envolvimento. Se continuarmos fugindo apontando para os perigos do paternalismo, da cooptação ideológica, escondidos em nossos complexos de inferioridade ou ensoberbecidos em nossa arrogância auto-centrada, não faremos jus à importância da tarefa que o Senhor Jesus deixou para a sua igreja;

• Para evitar os desvios que nos levam para longe de Deus e de sua vontade, urge resgatar uma prática de leitura e interpretação da Palavra que é, ao mesmo tempo, apaixonada, comprometida, comunitária, fiel ao seu ensino todo, que nos conduz a uma devoção mais íntima ao Senhor e que nos leva inexoravelmente à obediência;

• Devemos resgatar o caráter profético de nossa missão (denunciando todas as formas de mal e anunciando a justiça de Deus), assim como recuperar a dimensão de encarnação e serviço mostradas a nós por Jesus, que apontou ser esse o paradigma que ele deseja quando nos envia ao mundo (Jo. 17:18; 20:21).

• Não permitir que haja um retrocesso em nossa práxis missionária, voltando a uma falsa dicotomia entre a proclamação pessoal do evangelho (expressa em um estilo de vida que leva muito a sério a dimensão da evangelização pessoal) e o resgate e cuidado do ser humano em todas as suas necessidades (expressos em um estilo de missão marcado pela compaixão e pelo engajamento).

Esses, creio eu, são alguns dos desafios que novas gerações terão em nosso país. Aprender a ouvir melhor os clamores e as necessidades de nosso povo, elaborando uma teologia bíblica, saudável e radical, no sentido de não se omitir diante da complexa agenda de responsabilidade e de inserção em nossa sociedade, apontando então para a ação redentora de nosso Senhor em nosso meio.

Que o Senhor, pelo poder do seu Espírito, nos modele e nos capacite a sermos suas testemunhas em nosso tempo.

Aumenta o meu senso de responsabilidade lembrar-me que foi mesmo uma pena o velho Joaquim não ter sido alcançado a tempo por esse amor de Deus. Amor esse que se expressa no concreto da vida e no engajamento suado de nosso compromisso e obediência.

* parte 7 e final da reprodução do prefácio que escrevi para a série Lausanne 30 anos, volume 1, John Stott comenta o pacto de Lausanne, ABU e Visão Mundial, 2003.

Foto: © Cecilia Brum -
- (urban characters) "bus 76" -
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15 janeiro 2008

Depois de Lausanne



(Pacto de Lausanne – Parte 6)*

Diversos eventos realizados após o congresso de Lausanne inseriram-se no escopo de sua influência, buscando aprofundar questões e definir agendas específicas de atuação em cada contexto.

Dentro dessa tradição inseriram-se, apenas citando alguns deles, o Congresso Missionário da ABUB em 1976, em Curitiba, sob o tema ‘Jesus Cristo, senhorio, propósito e missão’, com seus quinhentos participantes, de onde saíram iniciativas missionárias pioneiras, como equipes de ‘fazedores de tendas’ (quando não se usava muito essa expressão ou conceito) e grupos de trabalho em áreas afins, gerando ministérios efetivos que atuam até hoje de maneira significativa servindo a igreja evangélica brasileira.

Ou também o Congresso Brasileiro de Evangelização (CBE) em 1983, em Belo Horizonte, onde havia no compromisso assinado pelos seus ‘dois mil e poucos participantes’ uma clara referência ao congresso de Lausanne em suas palavras finais, “a fim de que o Brasil e o mundo ouçam a voz de Deus”. E também em um dos objetivos delineados para o CBE, onde aparecia essa explícita menção ao espírito de Lausanne, da teologia da missão integral, ao mencionar que era propósito do evento “identificar as necessidades e desafios do homem brasileiro e avaliar os recursos disponíveis para a realização de uma evangelização integral, a fim de alcançá-lo em todas as suas dimensões”.5

No contexto da América Latina, as seqüências dos Congressos Latino-Americanos de Evangelização (Clade II, 1979; Clade III, 1992; Clade IV, 2000) deram continuidade à influência do espírito de Lausanne em nosso continente. Sob os temas “Para que a América Latina Ouça a Voz de Deus” (Clade II), “Todo o Evangelho a partir da América Latina para Todos os Povos” (Clade III) e “O Testemunho Evangélico para o Terceiro Milênio: Palavra, Espírito e Missão” (Clade IV), ficou evidente a agenda de reflexão e formação em torno do conceito de missão integral da igreja. Novas gerações de lideranças latino-americanas têm sido formadas nas últimas três décadas a partir desse paradigma de missão.

* parte 6 da reprodução do prefácio que escrevi para a série Lausanne 30 anos, volume 1, John Stott comenta o pacto de Lausanne, ABU e Visão Mundial, 2003.

5 In: A Evangelização do Brasil: Uma Tarefa Inacabada. São Paulo, ABU, 1985.


Foto: © Cecilia Brum -
- cristo -

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11 janeiro 2008

Antes de Lausanne



(Pacto de Lausanne – Parte 5)*

Podemos também pensar mais especificamente no Brasil, apontando para a reflexão teológica que indicava o caminho do engajamento social, que ocorria desde os tempos de atuação, por exemplo, da Confederação Evangélica do Brasil (CEB), na década de 50.

Nesse contexto surge a criação de um grupo de trabalho, que foi o Setor de Responsabilidade Social da Igreja. A CEB convocou, naquele decênio, uma série de consultas sobre a relação entre igreja e sociedade, culminando com a que ficou conhecida como a Conferência do Nordeste, em 1962, tendo como tema principal “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”.

É bem interessante observar alguns dos sub-temas abordados nessa conferência (3):

• A Igreja e a Responsabilidade Social (Pr. Ernst Schileper)
• Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro (Rev. Almir dos Santos)
• Os Profetas em Épocas de Transformações Políticas e Sociais (Rev. Joaquim Beato)
• A Revolução do Reino de Deus (Rev. João Dias de Araújo)
• O Artista – Servo dos que Sofrem (Prof. Gilberto Freire)
• O Nordeste no Processo Brasileiro (Celso Furtado)
• Mudanças Sociais da História Contemporânea (Prof. Paulo Singer)
• Resistência à Mudança Social do Brasil (Prof. Juarez Rubem Brandão Lopes)
• A Missão Total da Igreja numa Sociedade em Crise (Bispo Edmundo Knox Sherril)
• Cristo – A Única Solução para os Problemas do Brasil (Rev. Sebastião Gomes Moreira)

Pode-se dizer que essas abordagens iam mesmo além de Lausanne, inspirando a gestação da depois nomeada teologia da libertação.

Se Lausanne então não foi novidade, em que sentido seu pacto se tornou um marco importante? Creio que da maneira em que ele apontou para a possibilidade de, dentro de um contexto de bases de fé consideradas evangélicas, encontrar-se uma referência sólida e bem fundamentada acerca da importância da atuação da igreja no mundo.

E essa se tornou então uma referência importante para aquele setor da igreja evangélica que não se identifica nem com o fundamentalismo, nem com uma teologia considerada mais liberal.

Não digo isso para reforçar demarcações facciosas dentro do corpo de Cristo. Mas o digo reconhecendo que há esferas de influência e de formação de opinião. E o Pacto de Lausanne inseriu-se em um contexto onde pôde lançar bases importantes para a atuação missionária evangélica séria, engajada e comprometida com o que se convencionou chamar de teologia da missão integral.

Veja logo abaixo, por exemplo, o parágrafo 5 do Pacto de Lausanne, concernente à ‘Responsabilidade Social Cristã’, e avalie como boa parte da igreja evangélica brasileira ainda precisa refletir sobre as implicações do que aí é colocado, de maneira a permitir uma revisão de nossa agenda de missão:

“Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela reconciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de toda forma de opressão. Sendo o ser humano feito à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade, possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos, às vezes, considerado a evangelização e a ação social mutuamente incompatíveis. Embora a reconciliação do homem com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, do nosso amor para com o próximo e da nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando alguém recebe a Cristo, nasce de novo no seu reino e, conseqüentemente, deve buscar não somente manifestar como também divulgar a sua justiça em meio a um mundo ímpio. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta”.(4)

* parte 5 da reprodução do prefácio que escrevi para a série Lausanne 30 anos, volume 1, John Stott comenta o pacto de Lausanne, ABU e Visão Mundial, 2003.

3 Palestras citadas por QUEIROZ, Carlos Pinheiro. Eles herdarão a terra. Curitiba, Encontro, 1998, p. 116.
4 In: Evangelização e Responsabilidade Social. São Paulo, ABU e Visão Mundial, 1983, p. 16.


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